Poucas coisas arreliam mais Ibrahimovic do que acusarem-no de ser violento. Certa vez, Van der Vaart ousou tal coisa, culpando-o de o ter lesionado de propósito, durante um jogo entre a Suécia e a Holanda. “É mentira! Se tornas a acusar-me disso, parto-te as duas pernas”, respondeu-lhe o visado. Este não é o tipo de reação que se costuma associar aos comedidos e corteses escandinavos. Mas Zlatan Ibrahimovic – um dos melhores e mais espetaculares futebolistas no ativo, a maior ameaça à presença de Portugal no Campeonato do Mundo de 2014 – não é um sueco como os outros.
Zlatan nasceu em 1981 em Malmo, no Sul da Suécia, numa paupérrima família de imigrantes. O pai, bósnio-muçulmano, e a mãe, croata católica, divorciaram-se dois anos depois. O rapaz cresceu num bairro suburbano, com profundos problemas sociais, e a delinquência acompanhou-o. Apedrejava janelas, andava à pancada, roubava – às vezes, para comer. Quando levava a adolescência a meio, abandonou a escola.
Nessa altura, no entanto, já Zlatan se apercebera que o seu futuro estava noutro lado. O jeito para a bola revelara-se cedo, com os clubes de futebol da zona a disputarem-no desde os 13 anos. Aos 17 anos, estreou-se como profissional no Malmo, da principal divisão sueca. Dois anos mais tarde, o Ajax, da Holanda, contratou-o por quase 9 milhões de euros, valor que evidenciava já o seu estatuto de estrela. Pelo caminho, ainda teve o desplante de dar uma nega a Arsène Wenger, quando o treinador do Arsenal lhe propôs que fizesse testes no clube. “Nem pensar. Zlatan não faz audições”, respondeu. A sua reputação como futebolista só é ultrapassada pelo tamanho da sua autoestima.
‘Era capaz de matar por Mourinho’
No início de 2002, com 20 anos, Zlatan Ibrahimovic conheceu Helena Seger, 11 anos mais velha. Ao contrário das jovens da sua idade, a modelo sueca não se deixou arrebatar à primeira pelo sorriso de menino. Deu-lhe luta, o que o intrigou – e apaixonou. Nunca mais se separaram. Em 2006, nasceu o primeiro filho do casal, Maximilian, e, em 2008, o segundo, Vincent.
Nos relvados, a fama de Ibra continuava a crescer, ao ritmo dos golos. As propostas dos gigantes da Europa sucediam-se e o sueco agradecia: não é homem para ficar a ganhar raízes em lado algum e aborrece-se facilmente. Ao fim de dois anos e meio no Ajax, foi vendido à Juventus (na sequência da ameaça a Van der Vaart, seu colega de equipa) por 16 milhões de euros. Duas épocas mais tarde, a equipa italiana acabou relegada para a segunda liga, na sequência de um escândalo de corrupção, e Zlatan forçou a saída. O Inter de Milão contratou-o, em 2006, por 25 milhões de euros. Em 2008, entrou no clube o treinador que mais o marcaria: José Mourinho. “Quando conheceu a minha companheira, sussurrou-lhe ‘Helena, tens só uma missão: alimenta o Zlatan, deixa-o dormir, fá-lo feliz'”, conta o sueco na sua autobiografia, Eu sou Zlatan Ibrahimovic. “Ele diz o que quer. Gosto dele. É o líder do seu exército. Mourinho tornou-se um tipo por quem seria capaz de matar.”
Apesar do respeito profissional que sentia pelo português, Ibra só se aguentou mais um ano em Itália. Em 2009, rumou ao Barcelona, que desembolsou, praticamente, 70 milhões de euros pelo seu passe. Essa seria a sua temporada mais infeliz. Pep Guardiola exigia humildade e recato, o que estava nos antípodas da sua personalidade extravagante. Era suposto, por exemplo, ir para os treinos num relativamente discreto Audi, marca que patrocinava o clube, e Zlatan espumava pela boca por ter de deixar as suas espampanantes bombas na garagem (logo ele, que se gabava de, certa vez, ter escapado a um carro da polícia, esticando o seu Porsche até aos 325 quilómetros por hora). O choque com Guardiola seria uma questão de tempo. E foi uma sorte não ter chegado a vias de facto, levando em conta a propensão do sueco (cinturão negro em taekwondo) para a pancadaria com colegas e adversários.
O pesadelo de Barcelona
Ibrahimovic esforçou-se por se encaixar no Barcelona. Mas custava-lhe engolir que estrelas como Messi, Iniesta e Xavi andassem de cabeça baixa, a fazer o que lhes mandavam. “Pareciam meninos de escola”, recordaria. Mas o sueco tentava passar por cima desse estranho ambiente, concentrando-se no futebol, marcando mais golos do que Messi. Até que o argentino pediu a Guardiola para abandonar o lado direito do campo e jogar no meio, mais perto da área. O treinador fez-lhe a vontade, mudou a tática e Ibra passou a ser uma personagem secundária, no ataque catalão. “O Barcelona comprou um Ferrari e conduzia-o como um Fiat”, diz, na sua autobiografia. A propósito, num dia de treino, decidiu trocar o Audi pelo seu Ferrari Enzo de 300 mil euros e estacioná-lo à porta do clube, para amaciar a frustração.
A última gota de água caiu poucos dias depois de o Barcelona ser eliminado da Liga dos Campeões pelo Inter de Mourinho. No final de uma partida doméstica, quando toda a equipa se encontrava no balneário, Zlatan pontapeou uma caixa de metal, aos berros, e vociferou para Guardiola: “Não tens tomates. Borras-te todo em frente do Mourinho.” O treinador saiu, sem retorquir.
O empréstimo, no fim da época, chegou sem surpresas. O felizardo seria o A.C. Milan, que acabaria por ativar uma cláusula de compra por uns modestos (face ao que o Barça pagara) 24 milhões de euros. Duas temporadas renderam-lhe 42 golos. Seguiu-se o Paris Saint-Germain, em 2012. Em termos desportivos, a transferência foi um passo atrás, mas os 14 milhões de euros de salário anual eram compensação suficiente.
Entretanto, na seleção, Ibrahimovic mostrava-se ainda mais determinante do que nos clubes. O ponto mais alto aconteceu em outubro de 2012, numa vitória por 4-2 contra Inglaterra, em que Zlatan marcou os quatro golos, incluindo um dos mais espetaculares tentos de pontapé de bicicleta, fora da área. Nada de extraordinário: o sueco já habituara o mundo do desporto aos seus golos acrobáticos, como um de calcanhar a metro e meio de altura contra Itália, no Euro 2004. Não admira que muitos o chamem “Ibracadabra”.
Aos 32 anos, Zlatan Ibrahimovic continua igual a si próprio. O facto de estar constantemente à sombra de Cristiano Ronaldo e Messi não lhe quebra a irreverência. Quando, esta semana, nas vésperas do jogo com Portugal, os correios suecos anunciaram um novo selo com a cara do futebolista, a sair em março de 2014, o homenageado respondeu à sua maneira: “Recebo imensas contas pelo correio e raramente têm selos bonitos. Talvez isso agora mude.” Esperemos que Ibra não traga esta confiança para o relvado, nas partidas com Portugal.
Ibra por ele próprio
Algumas citações do polémico jogador
- ‘Vem a minha casa com a tua irmã, querida, e eu mostro-te quem é gay.’ – Quando uma jornalista o confrontou com uma foto em que surge abraçado a Gerard Piqué
- ‘Nada. Ela já tem o Zlatan.’ – Ao perguntarem-lhe o que oferecera à companheira, Helena, no seu aniversário
- ‘O Mourinho é o oposto de Guardiola. Mourinho ilumina uma sala, Guardiola fecha as cortinas.’ – Sobre os dois treinadores que mais o marcaram, para o bem e para o mal
- ‘Também gosto de fogo-de-artifício, mas não o acendo dentro de casa.’ – Depois de Mario Balotelli, seu ex-companheiro no Inter, incendiar a própria casa, num incidente com fogo-de-artifício
- ‘O que Carew faz com uma bola, eu faço com uma laranja.’ – Resposta a uma crítica do avançado norueguês John Carew
- ‘Podes tirar o rapaz do gueto, mas não consegues tirar o gueto do rapaz.’ – Recordando o bairro onde cresceu
Prognósticos? Tripla
O historial de encontros entre Portugal e Suécia dá poucas pistas para o resultado da eliminatória, com a primeira-mão na Luz, na sexta, 15, e a segunda, na terça, 19, em Estocolmo. Nas 15 partidas entre as duas seleções, houve seis empates, três vitórias para Portugal e seis para a Suécia, com o saldo de golos a pender para a seleção escandinava por 24 a 14. Por outro lado, os lusos não perdem há 29 anos, tendo ganho já duas vezes depois disso. Os últimos três jogos (2004, 2008 e 2009) acabaram em empate. Uma coisa é certa: esta eliminatória terá um vencedor. Zlatan Ibrahimovic, que leva 14 golos em 15 jogos pelo seu clube, esta época, ou Cristiano Ronaldo, com 24 golos em 17 jogos? No Mundial do Brasil, infelizmente, não há espaço para ambos.