VEJA OS VÍDEOS AO LONGO DO TEXTO
Ainda sem saberem que se iriam defrontar na África do Sul, Portugal e Brasil encontraram-se pela última vez a 19 de dezembro de 2008. Em Brasília, a equipa dirigida por Carlos Queiroz foi goleada por 6-2 (Luís Fabiano marcou três vezes e Maicon testou o remate de local impossível, que repetiu com êxito frente à Coreia do Norte) e confirmou a tendência nos jogos entre as duas seleções: mesmo que já não se fale em bola quadrada, o certo é que o Brasil ostenta larga vantagem num história iniciada há mais de 54 anos no Jamor. Nos 18 jogos disputados, a canarinha – como é conhecida a equipa brasileira – venceu dois terços, empatou dois e perdeu quatro (marcando 36 golos e sofrendo 15). No entanto, no único jogo oficial, em 1966, o triunfo pendeu para Portugal. Além disso, em três daquelas conquistas, a seleção nacional era comandada por um… brasileiro (Otto Glória e Luiz Felipe Scolari, duas vezes).
1. BICICLETA PERIGOSA DECIDE PRIMEIRO JOGO
O Estádio Nacional recebeu, a 8 de abril de 1956, o primeiro confronto entre as seleções de futebol do Portugal e do Brasil. Dois anos antes de se sagrar, pela primeira vez, campeã do mundo, a equipa brasileira já integrava cinco dos jogadores que iriam contribuir para a primeira grande alegria da torcida (o guarda-redes Gilmar, os defesas Djalma Santos e Nilton Santos, o médio De Sordi e o avançado Didi) e chegava a Lisboa com algum estatuto. Já a seleção nacional, orientada por Tavares da Silva, dispunha de alguns jogadores que ficaram na história, como Carlos Gomes, Juca, Vasques, José Águas, Matateu e Travaços. E, na defesa, pontificava o benfiquista Ângelo, que, hoje, com 80 anos e a “aproveitar a reforma sofrida” – “Fui campeão europeu a ganhar 20 euros por mês…” -, recorda à VISÃO esse primeiro jogo frente ao escrete, decidido por um tento de Gino, logo aos 11 minutos: “O Brasil tinha uma equipa genial mas jogámos taco-a-taco e, antes do golo, o Vasques até falhou algumas ocasiões em contra-ataque. Já lá vão muitos anos, mas lembro-me perfeitamente de que o golo devia ter sido anulado pois houve falta. Foi um pontapé-de-bicicleta e se o Passos não tem tirado a cabeça, tinha ficado sem ela”, recorda bem-disposto. E Matateu desperdiçou um penálti: “Contra o Benfica marcava sempre, na seleção falhava sempre.” Rivalidades que não se esquecem… Apesar da idade, Ângelo, que chegou a receber uma proposta para representar o Vasco da Gama quando foi numa digressão ao Brasil com o Benfica, continua a seguir o futebol e tem visto todos os jogos do Mundial: “A maioria tem sido uma desilusão. Penso que o Brasil-Portugal vai ser um bom jogo mas eles têm uma equipa muito mais forte do que a nossa.”
2. VOO PARA A VITÓRIA AO SEXTO CONFRONTO
Sete anos e cinco jogos depois, Portugal consegue, por fim, bater o Brasil. A 21 de abril de 1963, de novo no Estádio Nacional, a equipa que vencera o Mundial do Chile teve de se vergar perante a superioridade do conjunto liderado por José Maria Antunes (único técnico português até hoje a vencer o escrete) e nem Pelé conseguiu impedir que Eusébio e companhia festejassem no fim. Também aqui, um golo bastou para encontrar o vencedor e este foi assinado por José Augusto, aos 72 minutos. “Recordo-me muito bem, foi uma jogada do Yauca do lado da praça da maratona. Ele centrou e eu marquei em voo, de cabeça, com o Gilmar e o Djalma Santos a tentarem impedir-me de fazer o golo”, conta o antigo extremo-direito do Benfica e da equipa nacional, que, como jogador, defrontou sete vezes o a canarinha. “Foi uma grande alegria termos ganho pela primeira vez ao Brasil. Esse foi o último jogo de uma digressão dos brasileiros. E, no final, o Pelé disse que eu tinha sido o jogador que mais o impressionara, o que me deixou muito orgulhoso.” Já o “Rei”, marcado impecavelmente por Vicente, passou despercebido, nesse encontro. “Foi bem marcado, é verdade, mas o Pelé também estava a dormir…”, acrescenta José Augusto.
3. TRIUNFO OFICIAL E NOVELA COM PELÉ
A 19 de julho de 1966, as duas seleções defrontaram-se pela única vez a nível sénior e oficial, no Mundial 1966. E, com o brasileiro Otto Glória no banco, novo triunfo, desta feita por 3-1. Simões abriu o ativo, marcando de cabeça, apesar da sua baixa estatura, seguindo-se um bis de Eusébio, faturando Rildo para os sul-americanos. Todavia, o encontro de Goodison Park ficaria na história pela lesão de Pelé, após uma entrada dura de João Morais. O já falecido defesa do Sporting recordou o lance numa entrevista que deu no final de 2008 à Globo: “A falta que fiz sobre o Pelé foi igual a muitas outras, um lance normal, e ele já o reconheceu numa entrevista que demos juntos à BBC.” José Augusto concorda com a explicação: “O Pelé já chegou coxo ao Mundial e agravou o problema no primeiro jogo com a Bulgária. Foi uma jogada normal, ele é que já não estava em condições, se estivesse bom não se tinha lesionado. É verdade que o Morais fez falta mas ele estava mais do que habituado a isso. Além disso, não se podia deixar passar o Pelé, é o que fazem hoje em dia com o Cristiano Ronaldo…” O certo é que o avançado brasileiro não gostou e, depois de sair, regressou ao pé coxinho só para tirar desforço, como Morais lembrou na mesma entrevista: “Depois, disse que me dava. O nosso capitão [Coluna] pediu-lhe para não fazer isso. Mas, num cruzamento, deu-me uma pancada. Lance normal de jogo, também. Aí, eu ameacei que lhe dava outra, mas ele saiu antes [risos]. Era só para o intimidar…”.
4. MINICOPA ESCAPA NO ÚLTIMO MINUTO
Seis anos volvidos, a 9 de julho de 1972, os “países irmãos” disputaram, no Rio de Janeiro, a final da Taça da Independência do Brasil, também conhecida por Minicopa. Depois dos sete jogos da prova, as duas seleções defrontaram-se num Maracanã completamente lotado. Com 12 jogadores do Benfica entre os convocados e José Augusto como selecionador, Portugal só cedeu no derradeiro minuto, quando Jairzinho se antecipou a Humberto Coelho e Messias, cabeceando para a baliza de José Henrique. Alguns jogadores portugueses ainda protestaram, alegando que o avançado canarinho marcara com a mão.”Foi um jogo formidável em que tivemos uma boa meia dúzia de oportunidades. Lembro-me de o Jordão e de o Eusébio falharem algumas e, infelizmente, sofremos o golo no último minuto. O Brasil teve menos chances que nós mas ficou com a mais importante”, refere José Augusto.
5. SERENATA SAMBADA NO ADEUS A OTTO
Cerca de 17 anos depois de ter “traído” o seu país, Otto Glória voltou a dirigir Portugal num jogo com o Brasil. Envolvida na qualificação para o Europeu de 1984, a seleção nacional sofrera, semanas antes, a famosa goleada em Moscovo (0-5). Para o particular de Coimbra, já em final de época (8 de junho de 1983), os principais jogadores nacionais preferiram não se disponibilizar e o selecionador teve de montar uma equipa à última hora, isto para um jogo frente à base da canarinha que, um ano antes, maravilhara toda a gente, no Mundial de Espanha. Entre os cinco estreantes desse dia encontrava-se Mário Jorge, lateral do Sporting e atual diretor desportivo do Estoril. “Foi um dia muito importante para mim, o meu primeiro jogo internacional”, refere o esquerdino, considerando que a derrota por 4-0 “foi o menos importante”: “A primeira parte até nos correu bem, tivemos duas ou três oportunidades mas depois eles mostraram que eram mais fortes e não aguentámos o seu ritmo e capacidade. Além disso, faltavam-nos jogadores importantes”. Os golos de Careca (dois), Sócrates e Pedrinha ditaram o resultado final e o adeus de Otto Glória ao futebol português – o técnico, já longe dos seus tempos áureos, ainda treinaria o Vasco da Gama, nesse ano, falecendo em 1986. “Na altura até se questionava como é que ele ainda podia ser o selecionador nacional. Mas pronto, fez o seu trabalho e depois seguiu-se outra opção”, diz Mário Jorge. E uma opção certa: com Fernando Cabrita ao leme, Portugal ainda se qualificaria para o Europeu de 1984, onde chegou às meias-finais.
6. E AGORA ALGO DIFERENTE: UMA FINAL ENTRE SUB-20
Falar dos jogos entre Portugal e o Brasil sem referir a final do Mundial de sub-20 de 1991 seria errado. Mesmo não contando para a estatística da seleção principal, esse encontro, disputado no Estádio da Luz, perante cerca de 127 mil espetadores, ficou para a história: a chamada “geração de ouro”, onde pontificavam nomes como Luís Figo, Rui Costa, Jorge Costa, João Vieira Pinto, Emílio Peixe e Abel Xavier, triunfou nos penáltis (4-2, após 0-0 nos 120 minutos), e Portugal, sob o comando de Carlos Queiroz, sagrou-se bicampeão mundial do escalão. Um dos marcadores no desempate foi Luís Figo que, na sua biografia publicada em 2000, recordou aquele dia 30 de junho de 1991: “Memorável, sem dúvida. Foi a primeira vez que joguei diante de tanta gente e também a primeira vez que me senti com asas, capaz de voar, de atingir qualquer meta. Tenho o vídeo desse jogo e depois de alguns anos voltei a vê-lo, para recordar uma noite tão especial. Esse campeonato mundial significou muito para a nossa geração. O êxito que tivemos trouxe ar fresco ao futebol português. Os clubes começaram a apostar msais nos jovens e, para muitos de nós, foi o começo de uma nova vida.”
7. SABOR A BRASIL QUEBRA JEJUM COM 37 ANOS
Já a nível sénior foi preciso esperar 37 anos para Portugal voltar a ganhar ao Brasil. No Estádio das Antas, com Luiz Felipe Scolari no banco nacional pela segunda vez e a mascote do Euro’2004 a ser apresentada, o jogo terminou com um triunfou por 2-1, numa noite em que se estrearam dois jogadores que marcaram os últimos anos da seleção: Maniche e Deco, que se tornou no quarto futebolista naturalizado a envergar a camisola das quinas, depois do sul-africano David Júlio (60-61) e dos compatriotas Lúcio (60-62) e Celso (76-78). O médio do FC Porto marcaria mesmo o golo da vitória, de livre, desfazendo a igualdade proporcionada pelos tentos de Pauleta e Ronaldinho. “O Deco é o melhor jogador a disputar o campeonato português, que veio juntar-se a outros grandes jogadores que atuam no estrangeiro. Marcou o golo da vitória mas foi normal”, disse Felipão à imprensa no final dessa vitória que qualificou como “histórica” e dedicou a… Roberto Leal: “Mandou-me um CD e foi a sua música que ouvimos no autocarro durante a viagem para o jogo. A música chama-se Uma Casa Portuguesa mas com um ritmo de samba e os jogadores ‘curtiram'”.