Adão e Silva falava durante a sessão de assinatura de um memorando entre o Estado português e a Fundação Livraria Lello, entidade que adquiriu o quadro “Descida da Cruz” de Domingos Sequeira (1768-1837) a 10 de março, e que irá ser exposta a 18 de maio na sua sede, no Mosteiro de Leça do Balio, em Matosinhos, distrito do Porto, e nesse dia será anunciado um museu nacional para onde seguirá.
O ministro da Cultura agradeceu ao novo proprietário da pintura – considerada uma obra-prima do pintor português – pela possibilidade de a ter feito regressar a Portugal, e de a tornar acessível à fruição do público.
Através de um protocolo que ainda vai ser preparado e assinado, vai ser possível a sua circulação em museus nacionais, e exibição em instituições públicas estrangeiras.
Para Adão e Silva, o “sinal político” que resultou deste processo – no qual o Estado tentou negociar a compra, sem êxito, por uma quantia até 850 mil euros – é que Portugal “aproximou-se dos países com os quais deve comparar-se em muitos domínios, mas há um domínio no qual mantém um atraso muito significativo, que é o da participação dos privados na cultura”.
“São poucos os mecenas que tenho encontrado nestes dois anos [de mandato], e isso é um sintoma que nos deve preocupar a todos. O Estado e o Ministério da Cultura têm alguma autoridade para apelar a que mais privados se juntem a esta responsabilidade e a este esforço”, pediu a tutela.
Apontando que a dotação orçamental para a cultura “cresceu muito significativamente” no país, o ministro defendeu que “os privados devem juntar-se ao esforço para promover as políticas culturais, como acontece hoje com a Fundação Livraria Lello”.
“Isso implica uma relação de confiança, e até de intimidade com os colecionadores privados, que deve ser alimentada pela Museus e Monumentos de Portugal [MMP], que tem a agilidade, por ser uma empresa publica, para cultivar e alimentar essa relação”, vincou, acrescentando que “a democratização do acesso à cultura é uma responsabilidade que deve ser assumida por todos e não apenas pelo Estado”.
Referindo-se ao quadro “Descida Cruz” – que se encontrava exposto na sala dos embaixadores do Palácio da Ajuda propositadamente para a sessão -, o ministro abordou a questão da classificação de obras de arte privadas: “Não me parece que seja uma boa prática classificar sem antes estabelecer diálogo com os proprietários e ver a disponibilidade para vender” ao Estado, comentou.
De acordo com Pedro Adão e Silva, o passo seguinte à reorganização orgânica da área do património – que no início do ano deu origem à MMP e ao Património Cultural IP, a partir da antiga Direção-Geral do Património Cultural – passará pela alteração da lei do mecenato.
“Houve um processo de auscultação a um conjunto vasto de entidades sobre o que era necessário mudar no sistema de incentivos para criar um ambiente mais favorável da participação dos privados na cultura, que foi concluído, e concluímos também os diplomas legais, que materializam esta transformação”, anunciou.
No entanto, porque precisam do envolvimento do parlamento, “já não puderam ser aprovados pelo governo em gestão”.
“Antes de terminar o meu mandato vou devolver os diplomas a todas as entidades que participaram neste processo, na expectativa que haja na sociedade portuguesa a possibilidade de os materializar num futuro próximo “, disse.
De acordo com a tutela, os diplomas preveem “a simplificação dos procedimentos no mecenato, tornar mais transparente os respetivos mecanismos, levar mais longe os incentivos e inovar mecanismos em linha com as melhores práticas internacionais nesta matéria, por exemplo criando um mecanismo que permita a capitalização de um fundo para a aquisição de peças para os museus e monumentos nacionais, para obter mais recursos financeiros, mobilizando os privados”.
“O diploma está pronto e fechado. Espero que a nova formação do parlamento os leve à avante, e isso é mesmo importante”, frisou.
Na sessão, a presidente da Fundação Livraria Lello, Rita Marques, em declarações aos jornalistas, escusou-se a indicar o valor pelo qual foi adquirida a obra, e não confirmou os 1,2 milhões que vieram a público, dizendo apenas que “resultou de um acordo entre as três partes” envolvidas.
“O memorando assinado com a MMP estabelece a necessidade de estudar a obra e de garantir que o museu ou os museus onde for colocada à fruição pública, sejam objeto de análise”, disse, apontando que a negociação “foi um processo ágil e rápido”.
A Galeria Colnaghi, que recebeu o quadro do anterior proprietário, Alexandre de Sousa Holstein, chegou a exibi-la este mês na feira internacional de arte TEFAF, em Maastricht, nos Países Baixos.
A saída de Portugal do quadro “Descida da Cruz”, ficou envolta em polémica desde o final de 2023, quando a então Direção-Geral do Património Cultural decidiu autorizar a saída do país, contrariando pareceres de especialistas no sentido da sua classificação.
“Descida da Cruz” faz parte de um grupo de quatro pinturas tardias de Domingos Sequeira – com “Ascensão”, “Juízo Final” e “Adoração dos Magos”, esta última já na posse do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) por aquisição através de uma campanha pública -, feitas durante os seus últimos anos de vida, em Roma, onde morreu em 1837.
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