Tudo começou com uma “estreia universal”. No palco do belíssimo Teatro Jordão (velho Cine-Teatro que foi recuperado e inaugurado em 2022), na passada quarta-feira, 12, o músico Edgar Valente usou essa expressão com um tom irónico. Mas era factualmente corretíssima. A 10ª edição do Westway Lab, em Guimarães, arrancava com um concerto dos Edgarbeck, duo composto por Rui Souza (também conhecido como Dada Garbeck) e Edgar (que se tem afirmado em projetos que revisitam as raízes musicais portuguesas como Criatura e Bandua). O que o público pôde ouvir resultou da semana intensa que os músicos viveram antes do espetáculo. Andaram pelo Vale do Ave, por “tascos, fábricas e capelas”, inspiraram-se aí, e trabalharam juntos, em sons etéreos, eletrónicos e analógicos e vozes que evocavam passado, presente e futuros daquela região conhecida pela sua indústria têxtil. O projeto, asseguram, é para continuar. Essa é a grande força distintiva do festival Westway Lab: motivar colaborações, fazer nascer mundos novos a partir da música.
Já noutro palco, o do Café-Concerto do Centro Cultural Vila-Flor, Rui Torrinha (diretor artístico daquele espaço vimaranense e um dos criadores, com Nuno Saraiva, do Westway Lab há dez anos) escolhe a palavra “jewel” (“jóia”) – as comunicações são praticamente todas em inglês, devido aos muitos convidados internacionais ligados à indústria musical e artistas ali presentes – para definir esta faceta do Westway Lab: as suas residências artísticas. Durante uma semana quatro músicos portugueses e quatro internacionais viveram juntos no Centro de Criação de Candoso, às portas de Guimarães. Com estúdios bem equipados e instrumentos à disposição, estavam só focados em fazerem música juntos, divididos em quatro duplas pré-definidas, sem mais preocupações. Nas duas primeiras noites do Westway Lab assiste-se ao resultado final, com entrada livre, dessas residências artísticas, a “jóia” do festival.

Como sublinha várias vezes Rui Torrinha, nestes concertos ninguém sabe o que vai ouvir e ver – só os próprios músicos, que tiveram apenas uma semana para se prepararem. O foco está todo no espírito criativo, no risco, na surpresa (daí o “Lab”, de “laboratório”, no nome do festival). Este ano, tudo começou com um músico de Guimarães, Máro Gonçalves, na percussão e bateria ao lado de um irrequieto e versátil guitarrista polaco, Michal Drozda e, na mesma noite, seguiu-se o rapper e produtor barcelense Cálculo a criar a base sonora para a poderosa voz da sueca Namelle em enérgicas e muito dançáveis canções (à la Moloko/Róisín Murphy) que bem pareciam ter exigido mais do que uma semana de trabalho.
Na noite seguinte, foi a vez de Isa Leen (nome artístico de Rita Sampaio) partilhar o palco com o basco Ghau, num cruzamento de vozes, línguas, canções e imaginários que funcionou bem e tudo terminou com a intensa e ativista basca La Furia disparando palavras ao lado da mais discreta, mas não menos acutilante, brasileira Larie. O já citado duo Edgarbeck teve contornos um pouco diferentes: sendo, também, resultado duma residência artística a dois foi um desafio (o diretor do Festival não gosta de usar a mais comum expressão “encomenda”) dos programadores do festival, num trabalho de curadoria que também faz parte da identidade do Westway e que procura lançar projetos, nascidos em Guimarães, para o futuro, sem fronteiras.
Para falar do Westway Lab, Rui Torrinha substitui muitas vezes, autocorrigindo-se, a palavra “festival” por “evento”. Esse lado de clássico festival com sucessões de concertos programados também existe aqui. Na passada sexta e sábado, com os passes e bilhetes esgotados dias antes da abertura das portas dos vários espaços no C.C. Vila Flor, levou a Guimarães artistas como B Fachada, ana Lua Caiano, Linda Martini, Rita Vian, Catarina Munhá e Criatura, entre outros. Mas, como assumido “showcase festival” o Westway Lab é muito mais do que isso: tem um intenso programa de conferências, virado para a indústria musical, com representantes das suas mais variadas áreas, vindos de vários pontos do globo, que nestes dias se cruzam em Guimarães, aposta na cocriação nas já citadas residências artísticas, a partir de open calls cada vez mais concorridas e gosta de se espraiar na vida quotidiana da cidade – como acontece nos concertos gratuitos que, no último dia, se espalham, por vários locais da cidade e naquele momento especial em que todos os músicos que passaram uma semana no Candoso se juntam no Tio Júlio, “tasquinha” de personalidade bem vincada e bons petiscos, com paredes em pedra exibindo muitos adereços do Vitória de Guimarães, para conversarem com quem tiver curiosidade sobre a sua intensa experiência de trabalho no Westway Lab.

E porquê este nome tão pouco português para um festival que, afinal, tanto se preocupa com a música feita em Portugal? Rui Torrinha explica que a ambição inicial era que Guimarães fosse sede deste evento (no país mais ocidental da Europa, daí o “west”) e que outros com as mesmas características e ambições acontecessem noutras cidades e pontos cardeais da Europa: um Northway Lab, um Eastway Lab, um Southway Lab… Ainda nenhum aconteceu, mas esse sonho transfronteiriço nunca lhes pareceu impossível de concretizar. E é precisamente essa atitude que torna o Westway Lab possível e único no panorama nacional.