Quando Pedro Adão e Silva chegou a Vila Nova de Famalicão, os bailarinos da INTRANZYT Cia. já tinham feito o aquecimento e estavam prontos para mostrar um pouco do repertório da companhia de dança contemporânea. Este foi um dos projetos emergentes que o Ministro da Cultura visitou no distrito de Braga, na passada terça, 18, no âmbito do “Cultura que somos”, uma iniciativa que quer “fomentar a proximidade e o diálogo, no terreno, com pessoas e entidades ativas no contexto da cultura e das artes”. Uma vez por mês, pretende fazer-se às estradas de Portugal para conhecer as “ações, aspirações e dinâmicas que constituem a realidade cultural portuguesa”. Desta vez, ouviu de tudo: não só sonhos e aspirações, mas também queixas, frustrações e dúvidas.
“Somos tão recentes que ainda não podemos concorrer aos apoios [sustentados, da responsabilidade da Direção-Geral das Artes]”, partilhou Vasco Macide, que assume a direção artística da INTRANZYT, em conjunto com Cristina Pereira. Esta última foi, durante muitos anos, diretora da Escola Artística de Dança do Conservatório Nacional, e conhecia as dificuldades encontradas pelos alunos no final da formação. “A maioria das companhias não os aceitava, porque não tinham tempo a perder, precisavam de bailarinos com experiência”, conta. No passado, ajudou muitos jovens a dar o salto e a encontrar colocação no estrangeiro. Mas acreditava que poderia fazer mais.
Em 2021, em plena pandemia, a dupla criou a INTRANZYT Cia com o objetivo de ajudar os bailarinos recém-formados a fazer a transição do mundo académico para a realidade do universo profissional da dança. “Apresentamos o projeto a 35 autarquias e tivemos duas respostas, a de Famalicão foi a primeira”, recorda Vasco Macide. Escolhida a sede, lançaram uma audição internacional para a seleção dos bailarinos. Hoje, integram 12 jovens, entre os 18 e os 24 anos, tanto portugueses como estrangeiros, de destinos tão distintos como Itália, Japão, Ucrânia e Argentina. Nestes primeiros anos, apostaram no convite a coreógrafos portugueses, “muitos deles radicados no estrangeiro há muitos anos, com trabalho reconhecido internacionalmente e que por vários motivos ainda não tiveram a oportunidade de se apresentar em território nacional”. Graças ao apoio da autarquia famalicense, já lançaram sete produções e, nesta terceira temporada, sentem um maior interesse dos programadores e dos festivais, com apresentações agendadas em vários palcos europeus.
Para Adão e Silva, “a dinâmica criativa e cultural do País não deve ser apenas movida e apoiada pelo ministério – que não se vai descartar dessa responsabilidade política, pelo contrário, vai aumentar significativamente a dotação orçamental para 2023 –, deve ser partilhada pela iniciativa privada, pelas autarquias locais e pela sociedade civil”. Desta vez, o percurso definido quis, precisamente, privilegiar a cultura urbana realizada em quatro concelhos do norte do País: além de Famalicão, passeou por Braga, Barcelos e Guimarães. “É um distrito particularmente jovem, com projetos que contribuem para o surgimento de novas centralidades na criação artística em Portugal, fora das Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto”, explicou o ministro.
Campanha de proximidade
Pedro Adão e Silva, 48 anos, assumiu a pasta da Cultura em março, uma escolha que causou alguma surpresa no meio, já que a notoriedade mediática do sociólogo e professor no ISCTE, com uma longa experiência como comentador político na rádio e na televisão, não era acompanhada por um currículo na área cultural. A estes périplos pelo País não terá sido alheia a vontade de conhecer, mas também de se dar a conhecer. “Nestes seis meses só não fui a três distritos. Tem sido surpreendente, porque há dinâmicas a acontecer um pouco por todo o lado. A forma como a cultura pode transformar a imagem dos territórios e gerar riqueza, nomeadamente os do interior, é um tema muito interessante”, aponta.
A próxima paragem na agenda estava marcada para a capital de distrito, na zet gallery, pertencente ao dstgroup, grupo empresarial bracarense ligado à engenharia e construção, mas que sempre manteve uma relação particular com a cultura, desde as obras de artes espalhadas pelo campus empresarial, a um clube de leitura para os trabalhadores. Uma das iniciativas mais recentes foi a atribuição de uma bolsa a cinco artistas ucranianas, de que resultou já uma exposição first impressions, patente na galeria. “Existem outros exemplos no País de acolhimento de artistas ucranianos refugiados, é importante que a integração também se consiga fazer no domínio artístico”, apontou Adão e Silva. Yevheniia Antonova chegou há meses com a família e o cão e, até agora, não teve mãos a medir. Nesta manhã, conduz um workshop com adolescentes de uma escola bracarense, que acolhem o ministro com entusiasmo, sem esquecer o pedido para uma selfie. Este não se coíbe de fazer perguntas e indagar inspirações e influências, numa curiosidade genuína pelo interlocutor.
Pouco depois, na chegada ao GNRation, um espaço de criação, performance e exposição no domínio da música contemporânea e da relação entre arte e tecnologia, sob gestão municipal, o ministro confirma a fama de melómano, ao comentar a presença na programação de Matmos, um duo de música eletrónica experimental. “Fico feliz que o conheça”, comenta Luís Fernandes, o diretor artístico, visivelmente surpreendido. [Nas viagens de carro que a VISÃO acompanhou, a lista do Spotify sempre a tocar já denunciava as suas preferências.] De seguida, quem é apanhada de surpresa é a fotógrafa italiana Rosa Lacavalla, que pela primeira vez visitava a sua exposição, incluída nos Encontros da Imagem – um dos mais antigos festivais de fotografia do País – e patente no antigo quartel da GNR, reconvertido durante Braga 2012 – Capital Europeia da Juventude. “Não estava à espera desta comitiva, gostava muito de aproveitar para falar com ele sobre o meu trabalho”, comenta. O desejo foi concedido, e em italiano, já que Adão e Silva, viveu três anos em Florença, aquando do doutoramento no Instituto Universitário Europeu
O equipamento integra o gabinete da candidatura de Braga a Capital Europeia da Cultura em 2027, uma das quatro cidades portuguesas na disputa – Aveiro, Évora e Ponta Delgada também estão entre os finalistas e a decisão será anunciada a 7 de dezembro – e, inevitavelmente, o tema é abordado. “O Ministro da Cultura é absolutamente estranho à decisão. Já visitei três das cidades candidatas [falta Évora, mas a visita já está agendada] e registo que são concelhos em que as autarquias fazem um investimento e têm um compromisso firme com a cultura. Independentemente da cidade anunciada como vencedora, podemos ter a expectativa de que as outras três cumprirão uma parte daquele que é o desígnio. Apoiaremos de igual modo a cidade vencedora, com 29 milhões de euros”, garante. Para Ricardo Rio, presidente da câmara de Braga, “a lógica concorrencial das candidaturas criou dinâmicas benéficas ao território, foi um processo muito mobilizador e partilhado, não só a nível local, mas também regional”.
Outro tema premente, o dos apoios sustentados às artes, é motivo de conversa, à hora de almoço, com agentes culturais da cidade. Em setembro, Adão e Silva “tirou da cartola” – expressão usada por um dos interlocutores – o reforço de 110% nas verbas disponíveis para a modalidade dos apoios quadrienais em relação ao ciclo anterior, num total de 148 milhões de euros. Em novembro, serão divulgados os resultados do concurso, mas as dúvidas e desconfianças persistem. A notícia de que, nos últimos cinco anos, ficaram por executar cerca de 300 milhões de euros do orçamento do ministério, não ajudou a tranquilizar as hostes. Mas o ministro insiste em separar as águas, uma vez que as dificuldades que houve no passado quanto à execução orçamental não se confundem com as verbas atribuídas às entidades apoiadas. “Desde que anunciei os apoios, tenho notado um grande ceticismo. Apesar de tudo, vejo uma mudança no discurso, de ‘não há dinheiro para a cultura’ para ‘a cultura não consegue executar o dinheiro que tem’. Quanto a isso, estou tranquilo. O reforço da dotação dos apoios sustentados vai chegar às pessoas e espero que faça a diferença”, comenta.
Realidades alternativas
Em Barcelos, o contexto do Centro Comercial Barlos era notoriamente mais underground. Nas 20 lojas, tanto cabem negócios mais tradicionais, lojas vazias aproveitadas como espaços expositivos ou sedes de associações culturais locais como a Zoom e A Macho Alfa. A responsável pela nova vida do espaço é a Couto Mixto, uma empresa de consultadoria nas áreas cultural, ambiental e agrícola. Quem também fez questão de marcar presença no encontro com o ministro foi a Lovers & Lollypops, editora independente que nasceu na cidade e, mais tarde, mudou-se para o Porto, onde consolidou o percurso, igualmente associado à organização de concertos e festivais, como o Milhões de Festa (entretanto, desaparecido) e o Tremor, nos Açores. “Continuam a existir muitas bandas independentes em Barcelos (menos do que havia), mas sentem falta de locais de apresentação, fora das lógicas de programação de um teatro municipal”, atesta Márcio Laranjeira, um dos membros da promotora. Para apoiar a comunidade artística local, Jorge Carvalho, outro barcelense de gema, percussionista dos Sensible Soccers (neste caso, as origens da banda estão em Vila do Conde), criou no Barlos um pequeno estúdio de gravação, onde “ainda existem instrumentos e não só computadores”, como constata Adão e Silva. Tivesse ele talento musical e até aceitaria o convite para uma jam session. Na sala ao lado, dominam outras sonoridades, na sede da Banda Plástica de Barcelos, uma referência popular da região. “A responsabilidade do Ministro da Cultura é acompanhar e sentir aquilo que se faz, não só nos contextos institucionais, mas também nas margens”, sublinha.
Faltava picar o ponto em Guimarães para conhecer outro projeto independente, o Centro para os Assuntos de Arte e Arquitectura (CAAA), fundado em 2012, aproveitando a dinâmica da Capital Europeia da Cultura (CEC). “Tivemos uma transição difícil no pós-CEC, havia uma expectativa alta que não se confirmou, porque o Estado, ao contrário de outras CEC feitas em Portugal, não continuou a financiar algumas das infraestruturas e a câmara não conseguia apoiar todos”, recorda Ricardo Areias, um dos responsáveis. Neste momento, o CAAA congrega gabinetes de arquitetura, ateliers de artistas vimaranenses, produtoras audiovisuais, salas de exposições – acolhem agora mostras da Contextile e dos Encontros da Imagem. “Somos a única estrutura independente com espaço físico em Guimarães”, sublinha Areias. Atualmente, contam com o apoio da autarquia e da DGArtes – aguardam os resultados para o próximo quadriénio. “O facto de dependermos destes concursos é uma dificuldade acrescida, de tempos a tempos vem a incerteza de saber se os conseguimos ou não, até porque temos muitos artistas que dependem da nossa estrutura”, explicar. A campanha de proximidade de Adão e Silva terminou em amena cavaqueira com os ocupantes do CAAA e outros agentes culturais da cidade. “Ao longo dos anos, recebemos muitas visitas de ministros. Este é o primeiro a chegar sem fato e gravata e a beber uns copos connosco… existir uma auscultação informal é sempre importante”, aponta Ricardo Areias. O ministro mostrou-se atento. Mas não assumiu compromissos.