Como sempre, como nunca. O festival NOS Alive regressou em 2022 praticamente igual ao que era na sua última edição, em 2019. Como se o tempo suspenso de dois anos pandémicos, fosse só isso mesmo: uma longa pausa. A covid já não foi um tema nestes quatro dias de multidões em Algés, as máscaras eram um adereço raríssimo.
E o Alive voltou a mostrar que, 15 anos depois da primeira edição, se tornou uma referência no mundo dos festivais de verão. Desta vez, teve uma média de 52 500 espectadores por dia (210 mil entradas nos quatro dias, três deles com a lotação esgotada), de 98 nacionalidades diferentes, mostrando que a aposta da internacionalização do público nos últimos anos teve resultado.
Mas um dos momentos que os festivaleiros mais vão recordar desta edição de 2022 será, coisa rara, um concerto protagonizado no palco maior por uma banda portuguesa. O regresso dos Da Weasel, depois da separação anunciada em 2010, estava marcado para 2020 mas foi preciso esperar dois anos para que se concretizasse. “Custou mas foi, porra!”, gritou Carlos Nobre, que ali voltava a ser mais Pacman e menos Carlão. Era um daqueles concertos em que o público, todos o sabíamos, estava conquistado à partida (e até mais do que isso: sedento pelo reencontro ou, no caso dos mais novos, pela revelação em palco). Só um qualquer cataclismo poderia fazer falhar este espetáculo. E, tirando a onda de calor (já bem suportável às 21h, quando o concerto começou ainda com a luz do dia), não houve cataclismo nenhum. A festa fez-se desde o primeiro segundo. E os Da Weasel nem escolheram um dos seus hits mais óbvios para começar. Pacman, Virgul, Jay Jay (“quando pega no baixo malha como um rei…”), DJ Glue, Quaresma e Guilherme Silva atacam Loja (Canção do Carocho). Mas rapidamente centenas de vozes acompanham Pacman no refrão: “Vai fechar a loja, e o puto não comprou nada, não comprou…”. Muitos dos que cantam eram novíssimos ou nem tinha nascido quando os Da Weasel se estrearam em disco, em 1994. Olhamos à volta: os sorrisos estão por todo o lado, contagiosos, a começar pelo carismático e franco sorriso de Pacman/Carlão em palco. No meio deste tema duro e sujo sobre o mundo da droga, até chega a ser irónica tanta boa onda e alegria… Mas a felicidade do reencontro e a comunhão que se sente na partilha de músicas que nos acompanham superavam tudo. A banda estava em boa forma, o público, de muitas gerações, no mood certo. Perante o que se passou ali não será muito arriscado prever que poderá haver mais concertos neste novo capítulo da vida dos Da Weasel (mas nada está anunciado). Ao longo de hora e meia mostraram (recordaram) como as letras de Pacman aliadas a um som poderoso tão devedor do hip-hop como do rock, do hardcore, do funk, tornaram os Da Weasel num dos casos de maior sucesso na música popular portuguesa. O coro de milhares de vozes a gritar a plenos pulmões e em uníssono o refrão de Re-Tratamento (“Olá Nina, quero de tratar de ti…”) provava-o, sem necessidade de mais explicações. Quando o concerto terminou com Adivinha Quem Voltou, a velhinha e ainda bem poderosa God Bless Johnny e Tás na Boa todos sabiam, do lado de lá e de cá do palco, que este era um daqueles concertos que ficam na memória. A nostalgia terá aí uma palavra a dizer, mas o modo como os Da Weasel serviram, com garra, as suas canções foi mais no sentido de provarem que elas (e eles) estão aqui e agora outra vez do que de uma revisitação saudosista do passado.
Algo de completamente diferente, mesmo oposto, se passou no concerto mais aguardado por muitos no primeiro dia do festival: o dos norte-americanos The Strokes. Das muitas “ressurreições” anunciadas do rock’n’roll, a dos Strokes (e dos White Stripes) no início do século foi das mais bem sucedidas e excitantes. Is This It, o seu disco de estreia, de 2001, tem o sentido de urgência, a energia, a rapidez, as canções orelhudas que nunca mais se esquecem que fazem um bom disco de rock. Com um bónus: num território super-hiper-povoado de guitarras elétricas, os Strokes conseguiram encontrar um som só deles, imediatamente reconhecível. É à procura dessa banda de Is This It, Room on Fire (de 2003) e First Impressions of Earth (2006) que grande parte do público vai quando corre para um concerto dos The Strokes. Mas, a julgar pelo concerto do passado dia 6, em Algés, não é claro que essa banda ainda exista… É verdade que, à nossa frente, estavam Julian Casblancas, Albert Hammond Jr. e companhia, é verdade que tocaram algumas das suas melhores canções (o hit Last Nite ficou de fora, mas isso nem é caso único em bandas que se fartam de serem escravas de um grande sucesso – aconteceu com Creep, dos Radiohead ou Here Comes Your Man, dos Pixies), mas raramente, ou mesmo nunca, sentíamos que estávamos a ver e ouvir os Strokes com as qualidades que os celebrizaram. Como se à nossa frente estivesse uma banda de versões dos Strokes, que, apesar das semelhanças no timbre e no som das guitarras, nem tocava as suas canções especialmente bem… As longas pausas entre canções (mortais quando pensamos na energia expectável de um concerto de canções rock super eficazes) e o impulso comunicador de Casablancas, que falou muito consigo próprio, com o público e com os outros membros da banda sem que se percebesse bem o que dizia ou murmurava, não ajudaram… A verdade é que os Strokes nunca foram uma banda conhecida por excelentes prestações ao vivo e da mitologia do rock pode fazer parte uma certa decadência e excentricidade, mas ali pareceu-nos mais que estávamos perante uma banda fantasmática que já não habita naquelas canções, apenas as reproduz. Saímos com a sensação de que os Strokes em 2022 podem valer mais nas colunas de uma pequena pista de dança de uma discoteca no Cais do Sodré do que com num grande palco, tocando ao vivo.
Em termos de urgência rock, tocado aqui e agora, esse dia teve outros protagonistas, no palco Heineken: a estreia em palcos portugueses dos irlandeses Fontaines DC, que este ano editaram o seu terceiro disco. Grian Chatten, entrou em palco como uma fera depois de ser libertada para uma arena. Sem conversas com o público nem rodriguinhos foram diretos às suas canções daquele rock, com muito de punk, tipicamente inglês. E em 2022, ao contrário dos Strokes, são uma banda que ainda acaba os concertos com o seu tema mais conhecido, Boys in the Better Land . O público agradeceu e ficou com a sensação de que os vai reencontrar em breve em palcos portugueses.
O NOS Alive de 2022 valeu muito por algumas estreias em palcos nacionais de artistas que apetece rever: o belga Stromae, que tomou conta do palco maior a seguir ao concerto dos Strokes, levando a língua francesa a um lugar onde hoje quase não é ouvida, num concerto festivo e muito bem produzido, com o coração do lado certo; a californiana Phoebe Bridgers que, mesmo tocando ao mesmo tempo dos Da Weasel, mostrou que, aos 27 anos, tem jovens fãs muito devotados, e os já citados Fontaines D.C.
Também houve confirmações, claro: a do excelente momento de Dino d’Santiago, sozinho em palco em perfeita comunicações com o seu público cada vez mais vasto, a máquina dos Metallica em mais uma (a 14ª!) visita a Portugal, a festa de Florence + the Machine, o carisma e estilo único de St. Vincent, a eficácia do duo Royal Blood…
O NOS Alive de 2023 já tem datas previstas, voltando ao formato de três dias: 6, 7 e 8 de julho.
A época dos festivais de verão continua já no próximo fim de semana, no Meco, com o Super Bock Super Rock.