De onde surgiu a ideia de trabalhar a relação do humano com o inumano?
A ideia da reunião com a eletrónica é antiga no meu percurso. Ogre [projeto da cantora de jazz Maria João] e Alexander Search [banda com Salvador Sobral] já tinham essas premissas. Agora, trata-se de um disco de originais, combinando as vertentes da eletricidade e do acústico. Acho que convivem bem, numa boa relação musical. Foi o que tentei com este disco.
Porque sentiu necessidade de explorar mais este caminho?
Gosto de pensar em conceitos. Ter uma essência, um lugar próprio que queira descobrir melhor. Neste caso, o conceito tem que ver com o humano e o inumano, o acústico e o eletrónico. É esse o desafio: explorar uma ideia entre dois mundos e transformá-la em música.
A ideia da descoberta tem pautado a sua carreira. Raramente repete aquilo que já fez, quer sempre explorar caminhos novos.
Sim, o que não quer dizer que não venha a repetir coisas mais próximas daquilo que já tenha feito. Mas, sempre que se pode explorar uma coisa, gosto de o fazer. E é isso que tem acontecido mais, a não repetição. Este é um disco que se pode até estranhar, no princípio, mas acho que as canções são bonitas e não deixa de haver uma intimidade parecida àquilo que as pessoas já ouviram de mim, apenas com mais algumas ideias.
Porque chamou ao disco Cinderella Cyborg?
É o título do primeiro tema. Tem que ver com a ideia de relógio, de magia, da abóbora transformar-se em carruagem à meia-noite, dessas transformações mágicas que vêm também da ideia do tempo da máquina. Essa fantasia reúne bem dois mundos que por vezes podem ser antagónicos, como o da Cinderela e o do príncipe que gostava dela. Mundos que mais tarde, por um golpe de magia, acabam por combinar.
O que espera deste disco?
É mais uma rutura, é mais um desafio. Gosto muito do disco, considero que não é fácil combinar estas coisas. E são canções originais. Acho que consegui cumprir os meus desígnios, o que às vezes não é fácil. Agora, estou à espera de saber a reação das pessoas, gosto sempre de ouvir o que têm para dizer. O disco tem muitas portas de entrada.
Neste disco, mantém a ligação a Fernando Pessoa.
É apenas uma frase do Pessoa, um apontamento, em LisbonHood [“eu amo todas as coisas/mas sempre mais as que estou vendo”]. É mais uma afinidade do que uma persistência.
Há um paralelismo entre si e ele. O Pessoa tinha muitos heterónimos e há muitos Resendes, como se comprova com este disco…
Se há, não é consciente. Mas é verdade que há uma afinidade na ideia de exploração de várias facetas do eu, de nós próprios.
Em LisbonHood, utiliza duas vozes, a do rapper Sam Azura e do fadista Peu Madureira, de uma forma completamente diferente daquilo que usou até agora.
Há uma afinidade com ambos. O Sam vive em Lisboa e falava-me do seu amor por Lisboa. Achei, então, que a canção devia ser uma carta que ele escrevia a Lisboa, e pedi-lhe isso. O Peu representa o espírito do fado, e é também uma pessoa da nova geração, que conheci no Festival da Canção. Fico muito feliz que ele tenha aceitado colaborar. São formas diferentes de conjugar as vozes com o piano.
“Cinderella Cyborg”
São 12 temas que surpreendem pela ligação entre o poderoso piano de Júlio Resende e a eletrónica (André Nascimento). O disco conta também com André Rosinha (contrabaixo), Pedro Segundo (bateria) e André Santos (guitarra elétrica). O rapper Sam Azura e o fadista Peu Madureira cruzam-se em LisbonHood, que fecha um trabalho em que muitos dos títulos remetem para a mesma personagem: Cyborg.