Os 25 anos passaram num instante, mas as rugas ainda não se notam. O Centro Cultural de Belém foi a “primeira obra da democracia portuguesa a proporcionar a fruição pública da cultura”, assim recordou Isabel Cordeiro, membro do conselho de administração do CCB, durante a conferência de imprensa apresentada nesta terça-feira. E a programação revelada para 2018/2019 comprova os muitos braços e ramos que a instituição estendeu, a pensar nos vários públicos, como sublinharam o presidente, Elísio Summavielle, e os vários responsáveis pelas ‘pastas’ artísticas do CCB: há Shakespeare, solidão, cérebro, música erudita, cinema ao ar livre, reflexão, homenagens a criadores e fundadores, convites fora da caixa…
O ciclo dedicado a William Shakespeare (1564-1616), For goodness sake, manifesta-se em vários momentos: na peça Timão de Atenas, encenada pelo Teatro Praga (de 5 a 8 de abril), na conferência-performance I call him Will, a partir do caderno de notas da poeta Edith Sitwell, que Sónia Batista trabalhou, ou no curso dedicado ao dramaturgo inglês, Not wisely, but too well (16 março a 13 de abril). Também Os Dias da Música (25 a 28 de abril) estão sob a influência do bardo, havendo aí lugar para um diálogo lúdico sobre o mote “Be or not be”, com a interpretação de obras de Bach, Beethoven, e Brahms. Está previsto também um ciclo de cinema William Shakespeare a ter lugar no Pequeno Auditório (13 a 20 de maio), que inclui películas de Akira Kurosawa, Igmar Bergman ou Laurence Olivier.

Gershwin e Gisela João? Sim, a fadista vai cantar o songbook americano no Natal
Ant303263nio Pedro Ferreira
A oferta para os vários públicos é bem visível na programação da música para 2018 e 2019. O jazz terá forte expressão: além da Conferência Europeia do Jazz, iniciativa central que terá lugar entre 13 e 15 de setembro próximo, estão ainda previstos concertos de várias formações, como o do quarteto do saxofonista Branford Marsalis (15 de março). O programador Fernando Luís Sampaio destacou ainda o desafio feito à fadista Gisela João para interpretar canções de natal do cancioneiro clássico norte-americano, criadas por Irving Berlin, George Gershwin ou Cole Porter (20 a 22 de dezembro).
Outra dupla improvável surge na programação de Há Fado no Cais, que conta com nomes como Camané (11 de outubro), Ana Sofia Varela (19 de janeiro) ou Celeste Rodrigues (21 de março): Marco Rodrigues junta-se a Paulo de Carvalho em concerto (5 de abril). Nas áreas mais pop, o CCB apresenta concertos de Batida (26 de outubro), Mai Kino (18 de janeiro) ou Surma (1 de março).
De regresso à música erudita, os russos foram chamados em força à programação da temporada 2018/2019, destacou o programador António Cunha Leal: por exemplo, o pianista António Rosado interpretará Concerto para Piano nº 3 de Rachmaninoff (3 de fevereiro) e a maestrina Joana Carneiro dirigirá a Orquestra Sinfónica Portuguesa e o intérprete de acordeão russo Geir Draugsvoll (10 de fevereiro). Ainda destacada, a efeméride 150 anos do Nascimento de Vianna da Motta: a 14 de outubro, no Grande Auditório, Artur Pizarro apresenta-se com Raúl da Costa num diálogo entre pianos, a propósito da efeméride do grande pianista português, em que se faz a recriação do famoso recital de homenagem a Liszt, a dois pianos, realizado em Weimar, em 1900.
A programação da temporada sinfónica tem 15 concertos agendados, abrindo, a 30 de setembro, com La Verdi tocada pela Orquestra Sinfónica de Milão dirigida pelo maestro Nuno Côrte-Real, passando por um espetáculo dirigido por Pedro Carneiro com a Orquestra de Câmara Portuguesa a tocar Rehnqvist, Haydn e Beethoven, e fechando com um concerto evocativo do fim da I Guerra Mundial pela Orquestra Melleo Harmonia, sob a direção de Joaquim Ribeiro e com a participação da violoncelista Irene Lima e do tenor Luís Rodrigues.

O realizador João Botelho foi desafiado pelo CCB a encenar A Criada Zerlina e… a fazer de DJ
LuÃs Barra
A temporada 2018/2019 do CCB cruza disciplinas, ciclos e intérpretes. No âmbito do ciclo sobre a solidão – Sete rosas mais tarde, título inspirado no poema de Paul Celan – António Pinho Vargas apresenta o concerto Six Portraits of Pain (24 de março de 2019), interpretado pela Orquestra Metropolitana de Lisboa com direção do maestro Pedro Amaral – sobre o qual a realizadora Teresa Villaverde foi convidada a criar um filme. O mesmo Pinho Vargas revela ainda uma sinfonia encomendada pela própria instituição: Sinfonia Subjetiva. Em 28 de outubro, o palco é da MozartFest, dedicada a obras de Mozart, com Filipe Pinto-Ribeiro ao piano. Outro ciclo, dedicado à literatura e ao pensamento, A cabeça entre as mãos (título evocativo da obra de Herberto Helder), reúne temas e protagonistas de muitos pontos cardeais: em novembro e dezembro, tem lugar Os Portugueses na China pela mão de João Paulo Oliveira Costa; haverá homenagens a Sophia, Ferreira de Castro, Vitorino Magalhães Godinho, Aquilino Ribeiro e Joel Serrão; e está programada uma evocação sobre os 50 anos do 1º homem na Lua. A história do próprio CCB será também evocada numa participação no festival literário Folio.
Mas a programação 2018/2019 do CCB tem outros momentos, resultantes de convites a “cúmplices” da instituição: o realizador João Botelho foi desafiado a encenar um famoso texto de Hermann Broch, A Criada Zerlina (21 de fevereiro a 6 de março), que terá cenografia do artista plástico Pedro Cabrita Reis; o também realizador João Salaviza foi desafiado a converter o universo de um filme seu numa versão de palco no espetáculo Altas Cidades das Ossadas (16 e 17 de março), protagonizado pelo rapper Karlon; o elenco do extinto Teatro da Cornucópia entra em A Boda, peça de Brecht encenada por Ricardo Aibéo (23 a 28 de março); O Livro dos Medos, história infantil de Sérgio Godinho junta o cantor português ao filho, André Godinho, e ao músico e autor Filipe Raposo para apresentarem em conjunto o espetáculo O pequeno concerto dos medos (8 a 10 de março).
A festa comemorativa dos 25 anos do CCB estende-se além-palcos: a praça central, intervencionada pelo atelier Promontório Arquitetos, terá uma instalação efémera realizada em cortiça, destinada aos ciclos de cinema de verão dedicados a Murray Grigor (13 de julho a 7 de setembro) e ao Maio de 68 (20 de julho a 31 de agosto). Está igualmente pensada uma Festa na Praça, a ter lugar a 10 de julho, que contará com o realizador João Botelho ou o encenador André E. Teodósio como DJ de serviço.
Outros aniversários foram chamados a esta temporada. Uma década de existência soma já a Fábrica das Artes, cuja programadora, Madalena Wallenstein, recordou ter a “primeira pedra” deste projeto dedicado a “todas as infâncias” ter sido lançada por António Mega Ferreira. A programação trabalha as questões de género e os mistérios do cérebro.
A fundação do CCB é também evocada neste programa exaustivo: a exposição O território da arquitetura. Gregotti e Associati 1935-2017, com curadoria de Guido Morpugo, faz uma retrospetiva da obra do arquiteto que co-assinou o edifício (com Manuel Salgado). E passados 25 anos de existência, também o espaço físico do CCB será investido: a conclusão dos módulos 4 e 5, já previstos aquando da inauguração do Centro Cultural de Belém em 1993, arrancam em 2019 com a promessa de ocupação hoteleira, a par de obras de requalificação e ampliação em espaços como as salas Almada Negreiros e Ribeiro da Fonte. E em setembro, anunciou Isabel Cordeiro, será apresentada uma publicação coordenada pelo arquiteto Nuno Grande, que abrange a arquitetura, o design e o “esboço” da coleção de artes plásticas do CCB, assim como “entrevistas inéditas” a Vittorio Gregotti e a Manuel Salgado – os arquitetos que erigiram o Centro Cultural de Belém.