Será possível reproduzir, em apenas 22 minutos de filme com atores, a tensão e a violência de um ataque terrorista de fundamentalistas islâmicos a um autocarro de passageiros no nordeste do Quénia? Mais: e se esse ataque aconteceu mesmo, a 21 de dezembro de 2015, e logo levado a cabo por milícias da Al-Shabaab, organização radical islamita conhecida pela sua crueldade? Tanto assim que aqueles terroristas furiosos e armados com metralhadoras ordenaram que os passageiros (crianças, mulheres e homens) saíssem do autocarro e se dividissem entre cristãos e muçulmanos – para chacinarem os primeiros. A 2 de abril daquele ano, um comando da Al-Shabaab tinha entrado de madrugada no dormitório da Universidade de Garrissa, também no nordeste do Quénia, assassinando 147 estudantes cristãos.
De volta à pergunta que abre este texto: a resposta é sim, na opinião do júri da última edição do Arroios Film Festival e, agora, da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. O primeiro, constituído pelas atrizes Custódia Gallego (presidente) e Patrícia Bull, o professor de História do Cinema João Antunes, o crítico José Vieira Mendes e Paulo Zhan, da Ibéria Universal, atribuiu em setembro de 2017 o Grande Prémio da 2.ª edição do festival organizado pela Junta de Freguesia de Arroios, em Lisboa, à curta-metragem Watu Wote, da jovem cineasta alemã Katja Benrath, que reproduz nos tais 22 minutos o assalto dos terroristas da Al-Shabaab ao autocarro de passageiros no interior do Quénia.
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E eis que Katja Benrath viu agora o seu filme nomeado para o Oscar de Curta-Metragem de Imagem Real, em concorrência com quatro outras obras. Já é uma conquista para a realizadora alemã, que apenas tem na sua “curta”, falada em swahili, atores quenianos e somalis. Watu Wote, em inglês intitulado All of Us (Todos Nós, numa tradução livre), conta o que aconteceu naquele 21 de dezembro de 2015: os passageiros muçulmanos do autocarro que seguia para Mandera, pequena vila na fronteira do Quénia com a Somália, recusaram-se a colaborar com os terroristas que os assaltaram. Apesar das metralhadoras que lhes eram apontadas por homens com olhares de ódio, não identificaram os passageiros cristãos. Pelo contrário: dissimuladamente até lhes passaram adereços de vestuário islâmicos, para confundir os terroristas. Às tantas, o comando da Al-Shabaab ouviu um ruído de motor na estrada de terra batida e julgou tratar-se da chegada de forças quenianas de segurança. Os terroristas correram a esconder-se nuns arbustos e esse foi o momento para os passageiros saltarem para o autocarro e colocarem-se em fuga. Final feliz, sob muitos aspetos. Ainda mais se, depois do Globo de bronze que arrecadou no Arroios Film Festival (acrescido de três mil euros de prémio monetário), Katja Benrath ganhar, a 4 de março, a estatueta de ouro da Academia de Hollywood