A ambição do projeto Before they pass away (antes que desapareçam) pode lembrar a de outros fotógrafos, como o brasileiro Sebastião Salgado (cuja última série, Genesis, implicou oito anos de trabalho e 30 viagens pelo planeta) ou o francês Yann-Arthus Bertrand (o vídeo projeto Human exigiu uma demanda por 70 países e vinte mil entrevistas). Para Before they pass away, o britânico Jimmy Nelson viajou, desde 2010, por vários continentes, com as máquinas fotográficas ao ombro e um sentido de missão. O seu plano era o de fotografar 35 tribos indígenas durante cinco anos, povos que mantêm as suas tradições ancestrais e modos de vida inalterados perante um mundo globalizado.
Culturas remotas em risco de extinção, defende este fotógrafo, que as encontrou em dezenas de países, incluindo Argentina, Butão, China, Mongólia, Namíbia, Polinésia francesa, Sibéria, Sudão do Sul, Tibete ou Tanzânia. Tribos como a dos pastores seminómadas Himba que conduzem o seu gado pelos desertos namibianos, ou a dos caçadores cazaques mongóis que usam as impressionantes águias douradas para apanhar outros animais com cujas peles se cobrem. Ou, na Papua Nova Guiné, a dos milenares homens de barro de Asaro, descobertos há cerca de 75 anos, ou a dos Huli que usam os próprios cabelos para criarem elaborados chapéus, complementados por exuberantes pinturas faciais amarelas.
Numa entrevista ao jornal The Guardian, em 2014, Jimmy Nelson contou que demorou dois meses a chegar à aldeia dos Huli, viagem essa que implicou um voo num avião de missionários e duas semanas de caminhada na selva do vale Tari. “A Papua Nova Guiné tem reputação de ter muitos canibais. Bem, as pessoas já não são canibais mas têm muita fome. O seu território foi brutalmente explorado, sobretudo por colonialistas australianos, e, em resposta, eles atacam todos os brancos”, relatou. O fotógrafo teve sorte no meio de uma desgraça anunciada: o guia que se comprometera a levá-lo até à tribo, afinal só sabia cumprimentar e contar até dez no idioma dos Huli, e confessou-lhe até que nunca esperara que chegassem até ali.
“Os Huli estão muito isolados mas, apesar da sua aparência, não são nada intimidantes. Na verdade, são meigos, risonhos e vaidosos”, descreveu Nelson. O início do processo fotográfico passou, revela, por retratar cada um dos homens da tribo. “Passei horas, de joelhos, sentado em frente deles, dizendo ooh e aah, batendo palmas, levantando a voz, até os abracei. Lentamente, eles começaram a apreciar este personagem tão excêntrico, vindo de algum outro vale, como me chamavam. Habituaram-se a posar.”
As fotografias produzidas para Before they Pass Away têm um indiscutível impacto estético. São imagens dotadas de um certo romanticismo, oscilando entre planos com dimensão épica e o intimismo do retrato clássico. Os povos indígenas são fotografados em cenários naturais impressionantes, ou dentro das suas cabanas ou tendas em imagens que parecem evocar as convenções da pintura de séculos passados. O resultado desta odisseia foi revelado, tanto num luxuoso volume editado pela prestigiada TeNeues, como em exposições em vários museus mundiais. A última exposição de Jimmy Nelson foi inaugurada na passada quarta-feira, 22, no MUCA – Museum of Urban and Contemporary Art, em Munique, onde ficará patente até 4 de março de 2018.
História pessoal
O fotógrafo britânico tem já uma Fundação Jimmy Nelson, inaugurada em 2016, dedicada ao projeto Before they pass away. E atribui o seu empenho também à sua história pessoal. Hoje com 50 anos, começou a viajar aos 19: andou a pé pelo Tibete, com uma pequena câmara, durante um ano. Era já cliente habitual de aeroportos, já que o pai, geólogo a trabalhar para empresas petrolíferas, mudava a família de sítio muitas vezes. Numa dessas ocasiões, Jimmy contraiu malária cerebral, aos 16 anos. E, devido à administração de um medicamento errado, ganhou uma alopecia definitiva – isto é, caiu-lhe o cabelo todo. Em 2013, numa TEDTalk em Amsterdão, na qual foi um dos oradores convidados, confessou que a experiência o fez tomar consciência da importância da aparência, e de como esta “muda tudo”. Assim que pôde, partiu em viagem para lugares onde houvesse “outros carecas”, e onde o aspeto físico não tivesse importância. Foi o início de uma viagem identitária que, diz, continua até hoje.
Após regressar ao seu país natal, vindo do Tibete, Jimmy Nelson trabalhou como fotojornalista, tendo coberto conflitos internacionais como as tensões fronteiriças entre Índia e Paquistão em Caxemira, as movimentações russas no Afeganistão ou a guerra na ex-Jugoslávia. A encomenda de um livro de retratos literários, por parte da petrolífera Shell, em 1997, fê-lo viajar pela China, na companhia da mulher, Ashkaine Hora Adema, sua colaboradora. O casal vive atualmente em Amesterdão, com os três filhos. Sobre influências fotográficas, Jimmy escolhe os grandes: Edward Sheriff Curtis, Richard Avedon e Irving Penn – aliás, este último produziu, em 1970, uma mítica série fotográfica protagonizada pelos homens de barro Asaro.
Polémicas
Apesar da magnitude e beleza das fotografias, Before they pass away foi alvo de críticas. Como as da Survival International, plataforma dedicada à proteção dos povos tribais, cujo responsável, Stephen Corry, descartou, na altura, as imagens como sendo apenas “a fantasia de um fotógrafo”. Às acusações de um exoticismo datado e de inadequada glamorização das fotografias, juntaram-se os protestos de várias comunidades tribais captadas por Jimmy Nelson: os seus líderes defendiam que as imagens não refletiam a realidade das tribos, nem tão pouco os povos indígenas estavam à beira da extinção.
O fotógrafo defendeu-se, alegando que as suas imagens de tribos como os Himba, Huli, Goroka ou Maori, eram sobretudo celebrações visuais. “Não há, aqui, sociologia, nem estatísticas. Esta é a maneira como vejo o mundo. Quero documentar a variedade e importância do que resta na cultura indígena. Sim, é idealista. Os povos indígenas são habitualmente retratados [por grupos como a Survival] como pobres. Mas eles têm uma riqueza e um orgulho. Não se trata só de bens materiais. Eu fotografo a partir de um ponto de vista estético e muito pessoal. Pessoas diferentes podem interpretar [esta realidade] como quiserem.”