O seu currículo colocou-o no panteão dos grandes nomes da imagem, classificado pela revista Photo District News como um dos 20 fotógrafos mais influentes do século XX, ao lado de Helmut Newton ou Richard Avedon. Albert Watson, 75 anos, fotografou toda a gente: de David Bowie a Mandela, de Jack Nicholson a Kate Moss, de Steve Jobs a Hitchcock. Fez mais de 40 capas para as revistas Rolling Stone, muitas mais para a Vogue, TIME ou Harper’s Bazaar, além de trabalho comercial para marcas reconhecíveis. As fotografias de Albert Watson são marcantes, sobretudo os seus retratos a preto e branco, devido à luz, grafismo, simplicidade, impacto.
Vinte e oito imagens icónicas do fotógrafo estão agora patentes no Pavilhão 31 do Hospital Júlio de Matos (depois de passarem pelo NorteShopping, em Matosinhos). A estas obras, agora vistas a nova luz, acrescentam-se ainda três trabalhos dos artistas residentes do Pavilhão 31. O curador Sandro Resende conta à VISÃO que a ideia inicial tinha sido que os artistas residentes Artur Moreira, Luis Lemos e Pedro Ventura fotografassem o próprio Albert Watson – mas o escocês adoeceu entretanto. O passo seguinte? “Eles autorrepresentaram-se em fotografias a cores, de meio busto, em estúdio, brincando com a luz e em relação com imagens específicas de Watson, um bocadinho a manipular o trabalho do fotógrafo.” O resultado está integrado com as imagens patentes em Kaos, até 31 de outubro.
“Um bom fotógrafo anda sempre à procura de algo”, disse em entrevista. Como é que um fotógrafo prolífico e reconhecido, com décadas de carreira, ainda se sente desafiado?
Para mim, não é difícil. Mas não estou a dizer que não exige grande trabalho. A melhor analogia é esta: todos os dias, as pessoas levantam-se, comem o pequeno-almoço, almoçam, jantam. É o que fazem para se manterem vivos. Comigo, acontece o mesmo: acordo e estou sempre à procura de algo para fotografar. Tenho muita sorte de ter encontrado algo que me apaixona assim, e, quando há esta paixão, não sentimos que é trabalho. Sinto-me feliz a captar imagens.
Mantêm a sua curiosidade intacta?
É claro. Sou tão apaixonado pela fotografia hoje, como era há 30, 40, 50 anos.
Podemos identificar quase sempre uma fotografia de Albert Watson: a luz dramática, o jogo de sombras, as linhas depuradas. A autoria, ou o estilo, é fundamental para si?
Parte da minha identidade visual deve-se à experiência que tive enquanto aluno universitário, quando gravitei para o design gráfico, de que gostei muito. Ao longo do caminho, descobri a fotografia. Foi um casamento perfeito: ter o design e a fotografia na minha cabeça, deu-me uma identidade. Tive ainda a sorte de ir para o Royal College of Arts, em Londres, onde aprendi realização de filme e televisão. Quando se reúnem estes ingredientes, tem-se o que eu sou. Senti que era o meu dever aprender iluminação, da mesma forma que um canalizador aprende a substituir uma torneira. Dominar a luz dá-nos uma melhor qualidade nas nossas imagens.
A maneira como usa a luz é muito diferente da usada no cinema, pensada para tornar tudo mais claro para o público…
Há algo estranho [no meu trabalho] que nunca facilita as respostas, por vezes movo-mo de forma instintiva. E quando se fotografa há tanto tempo como eu, tende-se para certos elementos, por vezes resolvem-se os problemas em piloto automático… Mas tudo isto joga a favor: quanto mais velhos, mais experiência temos. A primeira vez que se conduz um Boeing 747, é um feito importante. Quando se voa há trinta anos, torna-se natural.
Ainda é o seu instinto que lhe diz quando uma fotografia está perfeita?
Sim. Tem-se um feeling de que é esta “a” fotografia. E não se sai do estúdio até a termos conseguido.
Os seus retratos são o que as pessoas recordam. É o género fotográfico mais difícil?
É algo difícil. Mas eu acho tudo difícil e fácil em fotografia: é uma estranha combinação. Estou sempre preparado para o facto de que uma sessão fotográfica supostamente simples nunca o é – o que acontece frequentemente. Devemos estar sempre preparados, ter um plano A, um plano B, e, por via das dúvidas, um plano C.
Pensa aprofundadamente na fotografia que vai tirar?
Sim, ter um plano é importante. Olho sempre para as coisas em stereo: observo pelos dois lados, às vezes pelos vinte lados. Primeiro, tenta-se ter um plano; depois, procura-se a espontaneidade.
Falando de planos, como é que conseguiu colocar Mick Jagger e um leopardo a posarem para a sua câmara?
Essa dupla exposição de Mick Jagger e do leopardo foi um caso de espontaneidade e urgência. A ideia original era captar o Mick a guiar um Corvette, ao lado do felino. Mas o animal revelou-se perigoso, e isto foi antes da era digital… Enquanto construíam uma cerca para os separar no carro, fiz uma dupla exposição: retratei o leopardo, desenhei os olhos, focinho e nariz no visor da câmara, andei com o filme para trás e refotografei-o com a cara do Mick. Como só havia um rolo, foi um golpe de sorte as fotografias terem encaixado tão bem uma na outra.
Mick Jagger gostou do resultado?
Jagger adorou o resultado. Mas não sabíamos se iria resultar, tinha sido uma ideia espontânea.
Porque é que certas fotografias têm um poder duradouro, e outras desfazem-se em pó, apesar das boas intenções do fotógrafo?
Penso que, por vezes, os fotógrafos não trabalham suficientemente o fator intensidade, o poder. Eu procuro três coisas numa fotografia: que seja memorável, que tenha um poder icónico, que tenha intensidade. Icónica é uma boa palavra para aplicar a muitas imagens minhas.
Recordo uma outra série icónica: a dos macacos com máscara, ou de revólver na mão. Qual foi a origem desta série?
Estava a fazer um trabalho para publicidade e passei o dia inteiro na companhia desse macaco. No fim, estava a brincar com o animal, e reparei que, se pusesse a minha mão sobre a cabeça ou cobrisse os olhos, ele imitava-me. Algumas semanas depois, reservei esse macaco outra vez, armado com uma série de ideias. Fiz 50 ou 60 fotografias: o macaco com a arma, com a máscara, etc. Quando nos reencontrámos, o macaco reconheceu-me. Tudo o que eu fazia, ele repetia. Isso foi o mais interessante: ver que eu o controlava, à semelhança do que acontece com os seres humanos, e mesmo sendo outro tipo de controlo. Foi uma experiência interessante.
Perante as imagens do macaco com o revólver, acha que hoje, numa era politicamente mais correta, essa fotografia poderia ser alvo de censura?
(Pausa) Para ser sincero, quando tirei essa fotografia, pensei apenas na questão da textura do metal com a mão. A ideia de ser um macaco com uma arma transformou essa imagem numa declaração desafiadora sobre armas, no sentido em que até um macaco pode apontar um revólver. Não aprofundei filosoficamente essa questão, apenas achei que era uma interessante justaposição da mão do macaco com o revólver: juntas, afiguram-se-me estranhas. E falando sobre a durabilidade de certas imagens, esta é um desses casos. Eu nunca vira a fotografia de um macaco com uma arma, foi algo original.
Crê que algumas das suas imagens podem ter outras leituras, ou esta perspetiva não o preocupa?
Não. Esperamos sempre que as nossas fotografias provoquem o pensamento, que as pessoas que as observam se interessem pelas nossas criações. Comigo, sempre me interessaram tantos aspetos diferentes da fotografia… Sempre tentei demonstrar que era eu que fotografava. Mas interessava-me a paisagem, a fotografia de moda, de celebridades, de beleza, naturezas mortas…
Disse que sempre gostou do fumo do cigarro nas imagens, tendo imagens famosas como as de Keith Richards e da supermodelo Christy Turlington a fumarem. Ressente-se da campanha antitabaco dos últimos anos?
Eu nunca fumei um cigarro em toda a minha vida. O que me interessa são as texturas nas imagens. É como quando estou a fotografar paisagens, e fico interessado nas neblinas, na chuva, no vento – são elementos importantes. Keith Richards é um tipo fabuloso para fotografar, ele gosta de ser fotografado. Como fuma um cigarro de cinco em cinco minutos, a ideia foi simples: criar uma imagem que integrasse o fumo na sua personalidade, em quem ele é. Devo dizer que Richards parece um pouco decadente na fotografia, e tenho a certeza que ele gostará de ouvir isso… Christy Turlington tem uma relação difícil com essa sua imagem: ela achava a fotografia fantástica, mas detestava que fosse sobre fumo de tabaco. Mas há algo interessante na fotografia: ela para o tempo. E, nessa altura, Christy era fumadora. Se fotografamos alguém aos 20 anos, tem cabelo preto; se o fotografamos aos oitenta, tem o cabelo branco. São momentos particulares na linha do tempo.
Quando vemos o próprio Albert Watson fotografado, o tempo parece fixo: mostra-se na mesma pose, roupas, boina. Gosta de se ver nas fotografias?
Não, de todo. E por essa razão: sou sempre o mesmo. Ninguém fica feliz, aos pulos e a dizer yuppie, por envelhecer. Há uma expressão simpática de que gosto e que expressa bem isto: old age is not for wimps [a velhice não é para choramingas]. Mas não posso queixar-me: consegui passar a minha vida inteira, até agora, sem falhar um único dia de trabalho. E em quarenta anos também nunca tive uma constipação, dores de cabeça nem garganta inflamada… Não sei quanto tempo vai durar, mas tenho tido muita sorte.
Trabalhou para revistas como Time, Rolling Stone, Vogue… Crê que os fotógrafos são os verdadeiros responsáveis por aquilo que chamamos, hoje, a cultura pop?
Não fomos os únicos, mas contribuímos.
Hoje, todos são fotógrafos?
Na atual cultura, o que eu gosto é que toda a gente é um fotógrafo. Mas um iPhone não nos torna num grande fotógrafo. Agrada-me muito que todos possam fotografar e que não tenham que pensar muito sobre o assunto. No passado, as pessoas tinham medo da fotografia, parecia algo complicado: havia que considerar o diafragma, as aberturas, as lentes… Agora, qualquer um pode fazê-lo e ter a fotografia na palma da mão, e essa democracia agrada-me. Mas quando os meus amigos me mostram as fotografias que tiraram, vejo que são simpáticas, mas não são grandes imagens.
Fotografar celebridades é uma tarefa mais difícil do que parece?
Isto não é muito simpático de se dizer mas a melhor arma de um fotógrafo é a sua personalidade, a forma como ele comunica é muito importante. Se se gosta de pessoas, e de falar com elas, isso torna o trabalho muito mais fácil.
Não tem que ter igualmente um grande ego para conseguir obter a foto que deseja dessa celebridade?
Não. Faço muitas coisas para a obter, mas há dois requisitos fundamentais: estou tecnicamente muito bem preparado e investigo muitíssimo a pessoa que vou fotografar. E esforço-me para ser muito educado, metódico, simpático. Se, depois de tudo isto, a pessoa se revela difícil, então disparo a fotografia rapidamente e piro-me dali.
Ouvimos muitas histórias sobre fotografias maravilhosamente produzidas, em que o fotógrafo aparece apenas para carregar no botão. Não é a sua escola…
Não. Acho que há alguns fotógrafos mais novos que são preguiçosos e que contam com a fama da modelo da celebridade, da maquilhadora, da produtora, das roupas [para as coisas correrem bem], e fazem esse tipo de fotografia.
Ter sido nomeado, pela District Photo Magazine, um dos 20 fotógrafos mais influentes do século XX quer dizer que encontrou uma linguagem que nunca envelhecerá?
Penso que tenho vários fatores que resultaram bem: a formação em design gráfico e realização, a minha personalidade, gostar de pessoas, ter uma grande paixão por fotografia, tudo isto se encaixou. As cartas alinharam-se bem para tornar-me o que sou.
Fala-se sempre nas câmaras míticas que estão por trás dos bons fotógrafos: Leica, Hasselblad, Mamyia… Acredita que uma máquina tem assim tanta influência no trabalho de um fotógrafo?
Nem por isso. É o olho que conta. No que diz respeito às câmaras, dependendo do projeto, às vezes é preciso uma boa câmara para obter o tipo de mensagem que quero passar. Para ter qualidade de imagem, é preciso ter uma máquina decente.
Na fotografia de paisagem não se controla tanto o processo como nos retratos. Sente-se confortável a captar landscape?
Boa pergunta. Há três anos, dei uma entrevista em que defendi que temos que dominar a paisagem, senão a paisagem controlará a sua fotografia. Muitos pensaram que era arrogante eu dizer isso, mas a questão é esta: posso dar-lhe uma boa câmara, levá-la para um cenário dramático na Islândia, instalar-lhe a câmara no tripé e dizer: “Agora fotografe.” Fará uma fotografia que impressiona, em que contou com o impacto da paisagem para a obter. Mas há formas de tentar trabalhar com a paisagem de maneira a impor o nosso ponto de vista. Precisamos de ajuda do clima e da morfologia, e devemos sempre tentar dominar a paisagem, embora no fim, ela ganhe sempre.
E isso é mau?
De todo. O que eu procuro na paisagem é ambiência, memorabilidade, iconicidade, atmosfera, emoção. Quando fotografo uma paisagem, posso estar a referir-me ao Senhor dos Anéis, a Guerra dos Tronos, a drama vitoriano, romantismo ou outra coisa, na minha cabeça.
Defende categoricamente que qualquer fotógrafo deveria assumir também o processo de impressão, porque tal faz parte do resultado, da fotografia final.
Sim, absolutamente. Nos nossos dias, o produto final é a fotografia ficar impressa. Por outras palavras, como é que se traduz de uma câmara para um sistema digital, mas o resultado é uma folha de papel. Uma fotografia icónica não é a realidade, a imagem vista no computador não é a realidade, mas quando essa imagem é contemplada no papel torna-se algo real, que podemos segurar na nossa mão. A imagem em papel é diferente da que se vê num ecrã.
As suas fotografias são, hoje, clássicas, valiosas, vendidas por preços elevados, e expostas em museus. È surpreendente pensar que a sua exposição Kaos foi primeiro apresentada em Portugal num centro comercial. Como lida com esta relação entre extremos?
Gosto que tenha estado num centro comercial, pois isso quer dizer que muitas pessoas viram as imagens. Quanto mais pessoas virem, e se sentirem afetadas por estas, é muito bom.
É por essa razão que tem agora o livro Albert Watson Kaos editado pela Taschen, considerada uma das editoras que mais contribuiu para a democratização da cultura visual?
Sim. A Taschen é uma empresa fantástica. O livro é espantoso. É maior do que eu pensava, um monstro, precisamos de dois homens musculados para o levantar. Mas a editora é muito profissional. Foi um prazer trabalhar com eles, adoram a imagem impressa como eu.
Começou a fazer fotografia comercial, trabalhando para várias marcas. O que pensa dessa carreira de gun for hire, como lhe chamava Helmut Newton?
Para mim, fazer trabalho encomendado e fotografia comercial nunca foi um problema. Porque se alguém me pedia para fotografar um vestido, um sapato, uma lata de cerveja ou de Coca-Cola, eu encontrava uma maneira de ser criativo. Muitas vezes, olhava para o layout estabelecido mas tentava acrescentar algo estranho, inesperado, uma nova dimensão. Desde que estivesse criativamente envolvido no processo, nunca tive problemas em fazer esse tipo de trabalho.
Milhares de fotografias depois, tem algum remorso por não ter tirado algum retrato em particular?
Sim, perdi uma grande fotografia há muito tempo. Estava a fotografar um festival de música, em 1972, e tinha um estúdio atrás do palco onde retratava toda a gente. O Bob Dylan estava a atuar mas ia-se embora logo a seguir porque não estava a sentir-se bem. Pensei que podia falar com ele e fui até ao palco. Mas, então, atrás do palco, estacionou um camião enorme, a porte traseira abriu-se e vi aparecer o Bob Dylan, rodeado de quatro [motoqueiros] Hell’s Angels. E fiz um erro pouco natural em mim: não tinha uma câmara, não tirei essa fotografia espantosa.