Anos 1950. A arquitetura era um mero departamento da Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, e socialmente secundarizada como “uma coisa lá da construção civil”, lembra agora à VISÃO o professor catedrático Augusto Pereira Brandão. Duas décadas depois, em fins dos anos 1970, Pereira Brandão (acompanhado do colega Frederico Jorge e da historiadora Maria João Madeira Rodrigues) arrancou ao poder político a autorização para a criação da Faculdade de Arquitetura de Lisboa, autónoma das Belas Artes. Aliás, ele mesmo, Pereira Brandão, foi o autor do projeto arquitetónico do edifício da faculdade, no Pólo Universitário da Ajuda, e mentor do programa pedagógico inicial, exercendo a direção académica e científica.
Foi uma empreitada difícil. Até 1993, a Faculdade de Arquitetura funcionou nas instalações das Belas Artes. Só abriu portas no edifício da Ajuda em 1994, ao fim de três anos de obras. Mas Pereira Brandão já há muito tinha mostrado ser uma personalidade resiliente. Quando estava no segundo ano do curso, candidatou-se e entrou como “desenhador de 2.ª” na Direção-Geral das Construções Escolares do Estado Novo. Não era um trabalho estimulante, recorda. Salazar ordenara que tudo fosse rigorosamente feito à maneira das escolas alemãs concebidas por Albert Speer, o arquiteto-chefe do Reich nazi de Hitler, que em 1942, no auge da II Guerra Mundial, o promoveu a ministro do Armamento.
Os desenhos eram todos iguais. “Um corpo grande, a poente-nascente, com um corredor enorme que dava para dois conjuntos de salas de aulas”, descreve Pereira Brandão. “Outro corpo, na perpendicular e a norte-sul, era o do ginásio e refeitório, e, nos casos das Escolas Comerciais e Industriais, também das oficinas.” O jovem arquiteto só se libertaria das amarras dos traços nazis em 1956, com aquele que considera ser o seu verdadeiro primeiro projeto – o do Liceu Rainha D. Leonor, ainda hoje um dos mais conhecidos de Lisboa.
Pereira Brandão estima ter projetado, por todo o País, cerca de 70 Liceus, Escolas Comerciais e Industriais, Preparatórias, Institutos de Formação Profissional e faculdades (na Universidade da Beira Interior, por exemplo). E não está a contar com as muitas escolas primárias que também desenhou.
Esta faceta na arquitetura escolar é o principal enfoque da exposição Augusto Pereira Brandão: Vida e Obra, que esta quinta-feira, 11, a Faculdade de Arquitetura de Lisboa inaugura, em homenagem ao seu consensual pai. Mas a mostra (ali patente até 31 de julho) também inclui gravuras desenhadas pelo professor sobre lendas associadas à expansão portuguesa e aos Descobrimentos, e o histórico arquitetónico e de construção do edifício da faculdade.
‘OPERAÇÃO SÉC. XVI’
Pereira Brandão revela-se um arquiteto eclético, que tanto aprecia modernistas como pós-modernistas, de Bauhaus e Corbusier a Philip Johnson e Frank Gehry. “Para mim, a arquitetura tem de ser funcional, social, minimalista e despida de ornamentos”, diz. E descobriu outra coisa: em vez da Geometria, deve usar a Matemática. “O que se faz em papel ou maqueta só é concebível com algoritmos matemáticos.”
O professor transporta a maior esperança no presente e futuro da arquitetura portuguesa. “Temos arquitetos como não há em parte nenhuma do mundo. Mostram, sobretudo, grande preocupação social, valorizando mais a ética do que a estética.”
Pereira Brandão é também conhecido por fazer “bonecos” em qualquer folha de papel que lhe apareça à frente. Aliás, assim nasceram muitos projetos noutra área em que foi pioneiro, nos anos de 1980, através do ateliê Macroplan, que tinha com três sócios. Trata-se dos planos gerais de urbanização e de organização territorial, que o ateliê fez para 15 cidades de norte a sul do País, chegando a trabalhar com uma equipa de 27 arquitetos.
Apesar do gosto pelo traço à mão, o professor só vê vantagens na aplicação das novas tecnologias à arquitetura. Ele próprio as usa, por sinal. “Dão-nos formas a que não chegamos com os desenhos”, diz.
Atualmente, Pereira Brandão, do alto dos seus 87 anos, ainda trabalha todas as manhãs no gabinete que tem na faculdade. Está afeto ao Centro de Investigação, dirigido por um seu ex-aluno, professor Fernando Moreira da Silva, e escrutina o que existe ou desapareceu do património erigido mundo fora pelo Império português, até ao séc. XVI. É o último legado que nos quer deixar.