No filme de Martin Scorsese e no romance de Shusaku Endo – Silêncio – , um padre português, o fictício Sebastião Rodrigues, parte para o Japão determinado a ajudar os cristãos locais oprimidos pelo xogunato Togukawa e, na passada, investiga os rumores que correm segundo os quais o seu mentor religioso, Cristóvão Ferreira, teria renegado a fé cristã para escapar ao suplício. Claro que o drama vai desenrolar-se no interior do próprio Sebastião, através de uma luta de consciência, sendo o desfecho o mais humano possível. Faz lembrar Morris West, o autor do grande sucesso que foi, nos anos de 1960, O Advogado do Diabo. Ou talvez, melhor do que isso, Graham Greene.
Aliás, chamaram a Shusaku Endo (1923-1996) “o Graham Greene japonês”, por ter sido católico como o escritor britânico, e decerto sobretudo por o ter sido numa terra em que a sua fé era minoritária. Mas ser católico no Japão moderno não é uma raridade tão grande como pode parecer à primeira vista. Dezenas de milhares de Krishitan sobrevivem nas ilhas meridionais, sobretudo na região em torno de Nagasáqui, conservando como relíquias pedaços dos rosários e das batinas dos antigos padres do “século cristão” e utilizando linguagem ritual que contém vestígios do português setecentista e do latim. Possuem a grande força de todas as minorias.
O Rodrigues da história pode ser inspirado num Rodrigues verdadeiro, este João de nome próprio, natural de Sernancelhe, missionário jesuíta no Japão do xogunato e dali expulso em 1610, vindo a morrer em Macau rodeado de papelada, estudando as origens das comunidades cristãs do Extremo Oriente.