As páginas querem-se frescas, lidas com 40 graus à sombra? Há uma estação ideal para pôr a leitura em dia? Tão certo como o ócio estival, os livros fazem parte da bagagem das férias de (quase) toda a gente. Quisemos espreitar os volumes que estarão nas toalhas de praia do Presidente da República e outras figuras públicas das mais variadas áreas
Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República, 67 anos
“Vou ler, de Maria de Fátima Bonifácio, António Barreto, Política e Pensamento (Dom Quixote), uma biografia muito inteligente de um homem excecional. E Francisco, o Papa que Põe a Igreja a Mexer (Temas e Debates), de Frei Bento Domingues, um muito lúcido retrato-análise de uma personalidade central deste tempo e deste mundo. Também Pepetela, com Se o Passado Não Tivesse Asas (D. Quixote), uma mistura subtil entre revisita ao passado e partilha de sentimentos num texto de ficção do melhor do autor, como quase sempre, acerca da sua Angola. Por fim, lerei os quatro volumes iniciados por A Amiga Genial (Relógio d’Água), de Elena Ferrante, uma leitura sobre o que é ser mulher, numa saga entusiasmante, que enche um verão e sobra para o resto do ano. De uma escritora italiana discreta por opção, tocante por vocação.”
Ana Vidigal
Artista Plástica, 55 anos
“Tenho de vos dizer que isto é um amor antigo. Quando ela morreu eu tinha 17 anos mas só aos meus 23 me foi apresentada. Nunca nos separámos. Laços de Família, Felicidade Clandestina, Onde Estiveste de Noite, mesa de cabeceira, chão de atelier, quartos de hotel, Primeiros Contos, Legião Estrangeira, A Via Crucis do Corpo, Visão do Esplendor, noites de insónia, travessias aéreas, desespero criativo, ou amores perdidos e, depois, Últimos Contos. Tenho de vos dizer que isto é um amor antigo: Todos os Contos (Relógio d’Água), de Clarice Lispector. Porque: ‘Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.’ Desde sempre”
Joana Carneiro
Maestrina, 39 anos
“Para este verão gostaria de propor a leitura de The Leonard Bernstein Letters, editado por Nigel Simeone. Trata-se de um livro que revela aspetos muito interessantes da relação do maestro Leonard Bernstein com a sua família, mentores e colegas compositores, como Messiaen e Elliott Carter, que nos ajudam – aos que o admiram, como eu – a melhor compreender o seu percurso e personalidade.”
Maria de Sousa
Cientista, 76 anos
“Vou ler dois livros sobre Shostakovich, The Noise of Time, de Julian Barnes [O Ruído do Tempo, na edição portuguesa da Quetzal] e Testimony (Limelight Editions), as memórias de Shostakovich relatadas a Solomon Volkov. Também lerei o livro de Rui Vieira Nery, Os Sons da República (INCM). Porquê? Porque me interesso por perceber como a criatividade sobrevive à adversidade social e política. Como a obra de Shostakovich sobreviveu à adversidade de Estaline. Perguntava-se porque é que o Poder tinha virado a atenção para a música e contra si. Nasceu em 1906. Lopes Graça nasceu no mesmo ano, em Tomar. Preso em 1931, ano em que concluiu o Curso Superior de Piano, era “porventura o mais promissor da sua geração” segundo Nery. Foi preso por ser “notoriamente próximo de círculos intelectuais afetos ao Partido Comunista”. Sem a aprovação dos poderes que dominavam os seus países, a sua música persistiria.
Viajo ainda acompanhada pel’A Terceira Miséria (Relógio d’Água), o poema de Hélia Correia – “Para quê, perguntou ele, para que servem os poetas em tempo de indigência?”.
Luís Filipe Castro Mendes
Ministro da Cultura, 66 anos
“Nos cada vez mais curtos dias das férias de verão, acontece que a nossa leitura pode enfim ser contínua, pode acompanhar todo o curso dos dias, desde a manhã radiosa até ao entardecer alongado. O verão, glória breve dos nossos dias!
Sempre tive o projeto de reler nos verões os grandes romances. Tive um verão Stendhal, um verão Tolstoi… Neste verão levo todo o Malraux na [editora] Pléiade. Amores de adolescência…
Também o ensaio do meu amigo Eduardo Paz Ferreira Por uma Sociedade Decente [Marcador] será uma leitura muito atenta deste verão.
E sempre os poetas: Daniel Jonas – grande livro, o Bisonte (Assírio & Alvim)! E esse estranhamente esquecido Tiago Veiga [Dom Quixote], extraordinário e original poeta, que a generosidade de Mário Cláudio tem ajudado a resgatar do esquecimento, e tantos outros – a poesia portuguesa está muito bem de saúde!”.
Carlos Vaz Marques
Jornalista e editor, 52 anos
“Os textos que neste verão vou ler com mais prazer, emoção e entusiasmo ainda não estão escritos. Estarão neste momento a ser trabalhados, palavra a palavra, pelos autores que desafiei a escreverem-nos para mim. Serei o seu primeiro leitor mas prometo partilhá-los, no outono, com todos os que quiserem lê-los. Há neste momento cerca de uma dezena de escritores a trabalharem a meu pedido e espero a qualquer momento começar a receber esses originais que darão corpo ao próximo número da [revista] Granta. O tema não podia ser (tragicamente) mais atual: Medo. Enquanto esses textos não chegam, espero terminar a extraordinária saga íntima que tornou Elena Ferrante famosa em todo o mundo que lê. Estou no segundo volume da tetralogia iniciada com A Amiga Genial (Relógio d’Água) e sei já que terei saudades de Lila e Elena quando virar a última página da História da Menina Perdida. Quero ler também as entrevistas a Manuel António Pina (as dos outros, porque duas são minhas) recolhidas em Dito em Voz Alta (Documenta) – entrevistas sobre literatura, isto é, sobre tudo. E tenho a intenção de dedicar algum do meu tempo livre a um livro de estudo que acabei de encomendar: How to Reacess Your Chess [de Jeremy Silman]. Porque, parafraseando o genial Garry Kasparov, a vida imita o xadrez.”
Eduardo Lourenço
Pensador e Ensaísta, 93 anos
“Não sou daquelas pessoas para quem o verão era uma estação particular, em que se punham vários livros para reciclar. Nunca programei nada, incluindo leituras de verão. Agora, tenho vários livros em cima da mesa, a que me dedicarei. Um deles é de um filósofo francês, Alain Badiou, Le Séminaire. Nietzsche: l’antiphilosophie 1 (1992-1993) (editora Fayard), cuja temática diz respeito à filosofia moderna. Será uma leitura que me ocupará muito tempo, se quiser ter umas férias estudiosas. Recebi também e lerei Do Pântano Não Se Sai a Nado – Meias Verdades nos Consulados de Salazar e Caetano, no Contexto da Revolução de Abril e na Progressiva Consolidação Democrática (Gradiva), de Joaquim Silva Pinto, antigo ministro de Marcelo Caetano: são uma espécie de crónicas, do tempo em que ele foi poder, ou próximo do poder, textos de prosa clara que fazem novas luzes sobre o clima vivido nesses últimos anos… Se quisermos saber o que nos aconteceu há 50 anos, já temos distância suficiente para ouvir os relatos de quem o viveu por dentro. Além de livros, que são habitualmente lidos em francês, faço também uma leitura compulsiva de jornais e revistas que tratam da crise da Europa.”
José Tolentino Mendonça
Padre, teólogo e poeta, 50 anos
“Aproveito normalmente o verão para grandes empreitadas de leitura. E chegou a vez do Michel Houellebecq, um dos autores europeus que me suscita maior curiosidade e, por estranho que possa parecer, mesmo do ponto de vista teológico. É fácil dizer que o universo e a escrita de Houellebecq são de um cinismo programado. No entanto, poucos escritores expõem como ele o vazio de um mundo sem Deus. Ele não faz apenas um diagnóstico social e político do Ocidente: debaixo do tapete descobre-nos também a alma. Durante os últimos meses fui reunindo os livros dele (dos quais já li Extensão do Domínio da Luta e Lanzarote) e juntei ainda duas coletâneas de ensaios sobre a sua obra. Fica assim traçado o mapa do território. Agora só me resta atirar-me a esse mar.”
Tiago Rodrigues
Diretor do Teatro Nacional D. Maria II, encenador, ator e dramaturgo, 39 anos
“Vou acabar Guerra e Paz (Presença), de Tolstoi, na tradução de Nina e Filipe Guerra, e vou ainda ler Assim Começa o Mal (Alfaguara) de Javier Marías, A Barba Ensopada de Sangue (Quetzal) de Daniel Galera e Uma Menina Está Perdida no Seu Século à Procura do Pai (Porto Editora) de Gonçalo M. Tavares. O verão é época de romances. Durante o resto do ano, o teatro e leituras de trabalho relacionadas com teatro são o que me ocupa mais. A poesia é para as manhãs livres.
Guerra e Paz é porque tenho estado a mergulhar no Tolstoi e talvez se tenha tornado, clandestinamente, leitura de trabalho. Por agora é ainda, e apenas, prazer. Javier Marías é um dos escritores vivos que prefiro. Tenho deixado o romance Assim Começa o Mal na cabeceira mas ele está impaciente e, durante a noite, sussurra-me ao ouvido, o que me provoca insónias em espanhol. A Barba Ensopada de Sangue foi-me aconselhado por muitos amigos brasileiros e portugueses, dizendo que era “a minha cara”. Gosto de descobrir o que os amigos me aconselham. E Gonçalo M. Tavares? Tenho muito interesse no trabalho dele mas a razão da escolha é, também, porque vamos apresentar uma versão teatral deste romance no D. Maria II, em outubro, pelo grupo de teatro da CRINABEL, que faz 30 anos este ano. Também anda comigo a tradução de Graça Moura da Divina Comédia de Dante pelo mesmo motivo: um espetáculo que O Bando está a preparar para o TNDM II em 2017.”
Tiago Brandão Rodrigues
Ministro da Educação, 39 anos
“Para boas leituras de verão sugiro Relato de um Náufrago (Dom Quixote), de Gabriel Garcia Márquez, uma narrativa contada com uma clareza cristalina, que nos faz viver uma história de podridão, que até parece fictícia, passada na solidão do Mar das Caraíbas. E De Profundis, Valsa Lenta (Leya), de José Cardoso Pires: a esperança da vida a partir do hiato que a morde, um prodigioso exercício de memória que conta como o corpo, sendo o lugar que acolhe a mente, jamais a poderá conter.”
Carminho
Fadista, 31 anos
“História de Quem Vai e de Quem Fica, de Elena Ferrante [Relógio d’Água]. É o terceiro volume da quadrilogia desta escritora que mantém o seu anonimato e nos prende numa narrativa alucinante sobre a amizade, cumplicidade e contrariedades de duas amigas que, agora já mais velhas, tentam fugir do bairro onde cresceram e iniciaram a sua amizade. Apesar dessa ânsia da fuga acabam por estar sempre ligadas a esse bairro e a uma sociedade conservadora que muitas vezes as impede de conquistar os seus mais profundos desejos. Com uma carga do universo feminino muito forte, a escrita de Elena Ferrante é desconcertante e por vezes violenta mas realmente profunda e vibrante, abordando questões fundamentais e polémicas do universo das mulheres. A escritora que ganhou um plano de grande prestígio e reconhecimento na sua área não revelou ainda a sua verdadeira identidade, mas os universos e temáticas por si criados de nada precisam do decifrar desse enigma.”
Depoimentos recolhidos por Sílvia Souto Cunha, Inês Rapazote, Gabriela Lourenço, Sara Sá e Pedro Dias Almeida