O jejum das duas últimas edições parece ter feito mal ao fígado de Vladimir Putin. E, sobretudo, à sua ambição de pôr a Rússia no topo do mundo. Agora que se soube que, nos Jogos Olímpicos de Sochi, em 2014, os atletas russos iam dopados até aos cabelos, não lhe resta muito mais do que dar o tudo por tudo para o país ser falado por boas razões. Nem que seja num festival da canção.
É uma ambição declarada há já algum tempo e sem poupar esforços nem dinheiro. Para chegar à canção concorrente, foram contratados dois compositores, um russo e um grego, ambos rodados nisto de escrever para festivais. De Chipre, chamou-se um coach vocal que, em anos anteriores, colaborou com vários concorrentes. E na Suécia escolheram-se as lalás mais competentes.
Este sábado, Sergey Lazarev só tem mesmo de não se engasgar e mostrar que a sua voz mereceu passar na semi-final, que disputou na terça-feira, com You Are The Only One, assim mesmo em inglês. E é bom que o faça sem fífias. Em entrevista à BBC, o cantor fez uma comparação sui generis: “Para a Rússia, isto é muito importante, é como os Jogos Olímpicos da música. O público russo adora a Eurovisão. Todos os anos, as audiências sobem.”
Para o resto da Europa, toda esta vontade de ganhar um festival da canção dá alguma vontade de rir porque a Eurovisão já marca muito pouco, seja no plano da música ou da televisão. Mas para a Rússia, ganhá-lo pode ajudar a restaurar algum do seu poder precisamente no seio da Europa, analisa Karen Fricker, da Brock University, no Canadá, que estuda as políticas da Eurovisão.
“Existe um grande antagonismo entre a Rússia e o resto do mundo, e [o festival] é uma plataforma onde a Rússia pode mostrar que consegue ser mais europeia do que a Europa. Ganhar é um gesto de poder político e cultural.”
Nas duas últimas edições, os concorrentes russos foram vaiados em plena atuação. Em 2014, calhou às Tolmachevy Sisters, de 17 anos, ouvirem buuuu! mal pisaram o palco, em Copenhaga, na Dinamarca, por causa da anexação da Crimeia. E, no ano passado, voltaram-se a ouvir vaias, mas mesmo assim o cantor russo, Dima Bilan, obteve um segundo lugar.