Umas horas antes de subir ao palco do Coliseu de Lisboa, como cabeça de cartaz do festival Vodafone Mexefest, Benjamin Clementine, 27 anos, teve tempo para uma breve conversa com a VISÃO. Começou por ser falado como o músico que tocava nas ruas e no metro de Paris, onde foi descoberto por um editor que o levou a estrear-se com um disco magnífico e arrebatador (At Least for Now). É verdade, mas não é o essencial. Olhos nos olhos, Benjamin Clementine consegue parecer tímido e seguríssimo ao mesmo tempo, jovem e sem idade. “O meu sonho é que a minha música seja tão natural na vida das pessoas como acordar de manhã, como respirar”, diz.
Há duas cidades muito importantes na sua vida: Londres e Paris. O que representa cada uma delas para si?
BENJAMIN CLEMENTINE: Londres significa “casa” para mim. Foi lá que nasci, é natural. Paris tem mais a ver com criação. E, nos seis anos que vivi lá, senti que fui adotado pela cidade, como quando se sente que a nossa madrasta é a nossa verdadeira mãe. Paris está no meu coração, mais relacionado com o meu lado artístico.
Foi uma escolha óbvia quando decidiu deixar Londres?
Não. Foi uma coincidência. Fui lá parar, não era muito longe… Mas acabei por perceber que foi um excelente acaso, uma boa escolha.
E por isso, como referiu na entrega do prémio Mercury, os atentados de Paris afetaram-no especialmente…
Sim, claro. Conheço muito bem os lugares onde tudo aconteceu. Vivi muito perto do Bataclan durante algum tempo.
Tem a aparência, e a fama, de ser um homem tímido. Sente-se confortável com toda a visibilidade pública que foi ganhando?
Sim… As pessoas podem dizer o que quiserem sobre mim, não ando à procura disso, não me interessa. Tento protegerme o mais possível e concentrar-me na minha música. Sinto que manter-me afastado de todo esse buzz é a melhor maneira de proteger a minha música. Quando sou abordado na rua, posso é ter dificuldade em explicar às pessoas que sou exatamente como elas. E, sim, sou um pouco tímido, ainda é um bocado estranho que as pessoas venham ter comigo para me dizerem coisas, não me deixa muito confortável… O que eu gosto é de estar em casa a fazer a minha música. É aí que me sinto melhor. E é assim que vou fazer o meu próximo álbum, só eu e a minha música. Sei que agora tenho as portas abertas para trabalhar com vários produtores, mas prefiro continuar com o mesmo método.
Canta “I’m alone in a box of stone” (“estou sozinho numa caixa de pedra”). Tudo o que aconteceu neste ano não o fez sair mais para o exterior, para fora dessa caixa?
Escrevi essa letra perto do Bataclan, na tal casa que era de uma ex-namorada. A canção até é bastante literal porque o apartamento era tão pequeno… era mesmo como uma caixa de pedra [risos]…
Sente-se confortável em palco, muitas vezes sozinho a tocar para salas cheias?
Sim, quando estou em palco sinto-me no meu mundo. É como ter a oportunidade de uma outra vida, pelo menos por um momento, como se não houvesse amanhã. Mas quando a canção acaba… volto a ser normal e a ter a minha tendência para a timidez. Às vezes, nesses momentos, sinto que é inacreditável estar ali.
Sonhava em chegar à posição onde está hoje? Sentia que era possível? Ganhar o prémio Mercury no ano do disco de estreia, por exemplo…
É um prémio muito prestigiado. Sinto que fiz história, isso é verdade. E sinto que mostrei às pessoas que basta sermos honestos, livres e fazermos aquilo que achamos que devemos fazer. Se as pessoas gostarem, ótimo, se não gostarem, não faz mal nenhum, isso não significa que perdemos, é normal que as pessoas não concordem sempre contigo nem gostem de tudo o que fazes. Para mim, ganhar o Mercury deixou-me muito feliz, claro, mostra respeito pela minha música e mostra que ainda há prémios para artistas que são livres e genuínos.
Mas era algo com que sonhava? Recuando aos tempos em que vagueava por Camden, poderia pensar “um dia ainda vou ganhar um Mercury!”?
Não… Mas, na verdade, sempre pensei, e ainda penso, que a viagem só agora está a começar. Sempre me vi a progredir até me tornar num artista internacional, sempre tive essa visão. Não previ estes elogios todos, os prémios, mas sinto que fazem parte desse meu sonho maior. Tenho um sonho, a longo prazo, em que acredito muito, e estas coisas todas acontecem naturalmente por causa disso. Acho que se sonhasse só com o Mercury não o ganharia. O meu sonho vai para lá de tudo isto… O meu sonho é que a minha música seja tão natural na vida das pessoas como acordar de manhã, como respirar. O meu objetivo é fazer parte da vida das pessoas e andar pelo mundo inteiro com a minha música. Sei que vai haver mais prémios a caminho, mas não estou focado nisso.
Quando começou esse sonho?
Quando era miúdo, sempre gostei de música clássica. Mas quando fui para Paris, aos 19 anos, a música é que me permitiu sobreviver, era a minha vida, a única coisa de que eu dependia mesmo; não trabalhava, não fazia mais nada. A música salvou-me. Quando era mais novo a música já era o lugar onde encontrava mais conforto. Por isso gosto tanto de continuar hoje nesse mundo, de fazer música… Estou muito entusiasmado com o próximo álbum.
E como vai ser? Depois de um disco de estreia tão bem sucedido, correm-se sempre alguns riscos com o segundo…
Porquê?
Há sempre uma escolha difícil entre fazer mais do mesmo ou tentar caminhos diferentes e poder desiludir o público…
Não, isso para mim não faz qualquer sentido… Este primeiro disco também podia não ter tido sucesso, e não era menos importante para mim por causa disso. Esse “sucesso”, seja lá o que isso for, não é importante… Claro que o segundo álbum não vai ser igual ao primeiro, e o terceiro não vai ser igual ao segundo… Que interesse poderia ter pintar o mesmo quadro várias vezes seguidas? Se as pessoas não gostarem do meu segundo disco… tudo bem. Eu vou gostar
Já está muito adiantado?
Estou a trabalhar nele, sim. Já gravei algumas demos. Maioritariamente é feito de canções que já estavam escritas.
Vai refletir as mudanças na sua vida?
Vai refletir o que aconteceu em Paris, o que aconteceu em Baltimore [os motins contra a violência policial], o que está a acontecer na Sicília com os refugiados… São coisas que estão aí, todos os dias, e de que os artistas não têm falado muito. Algo no meu coração me diz que tenho que falar destes assuntos.
Será menos pessoal do que o primeiro disco?
Tudo isto é pessoal. As pessoas que chegam da Síria, aquela criança morta na praia… Isso é pessoal. Posso não ser eu quem está lá, mas não deixa de ser pessoal por causa disso. São os meus sentimentos. Claro que tenho que encontrar a maneira melhor e mais inteligente de falar de assuntos tão sensíveis. Vou falar deles à minha maneira, claro. Todas as minhas canções são sobre mim e as pessoas. Defendo essas pessoas que estão a sofrer.
Consegue compor quando anda em digressão?
É difícil. Mas consigo inspirar-me, tomar notas… Só consigo escrever canções quando regresso a casa, em Londres ou em Paris. Este ano voltei a passar uns tempos num hostel em Paris.