Não se esperem piadas ou graçolas ao longo desta entrevista. Para Gregório Duvivier, Luís Lobianco e Gustavo Miranda o humor é uma coisa muito séria. Os três elementos do coletivo brasileiro Porta dos Fundos, que saltou fronteiras do Brasil e explodiu na net com o vídeo “sobre a mesa” (só este tem quase 20 milhões de visualizações), estão apaixonados por Portugal. E hoje partem em digressão pelo país (quinta-feira, 17, em Braga, Leiria, 18, Aveiro, 19, Coimbra, 20, com suas sessões, Lisboa 21 e 22 e Porto 23, duas sessões), com o espetáculo de improviso, Portátil. Tudo começa com uma história contada por um espetador. A partir daí, é pura criatividade. E aí, sim. Em cima do palco, as gargalhadas são garantidas. Porque eles são profissionais. Mesmo quando, ainda mal dormidos e com os fusos trocados, dão entrevistas de empreitada.
Visão: Os Porta dos Fundos não saem de Portugal agora. De onde vem este amor?
Gregório Duvivier: Eu sempre fui apaixonado pela cultura portuguesa e pelo humor. Sou muito, muito fã dos Gato Fedorento. E depois aconteceu encontro muito feliz. Vocês recebem-nos com um carinho e um afeto… Nossa! É lindo.
V: Mesmo quando comparado com o público brasileiro, bastante mais efusivo?
GD: Os brasileiros são mais efusivos, sim. Portugal é mais educado, reservado. Mas os portugueses não são menos afetivos.
V: O espetáculo que trazem agora a Portugal é de improviso. Não se ensaia para isso…
Gustavo Miranda: Não há ensaio, mas há treino. Trabalhamos ferramentas como a escuta, a colaboração com o outro, a visão periférica…
V: É um trabalho sem rede?
Gustavo: Totalmente! A rede é o outro.
Luís Lobianco: Nunca pensei que isso iria acontecer na minha vida. Que é criar a dramaturgia em frente ao público.
V: Improvisar noutro país deve ser mais difícil ainda, com um contexto social e cultural tão diferente.
LL: Sim. Mas na verdade as histórias íntimas são universais. Falando de uma pessoa, a gente está falando do mundo inteiro. E isso deixa-me mais calmo para a estreia.
GM: É preciso ver que eles ninguém aqui chega virgem ao palco. Há todo o raciocínio dos Porta por trás. E o público vai reconhecer isso.
V: Todo o espetáculo parte de uma única pessoa, escolhida de entre o público, certo?
L: Sim. Na verdade é a pessoa que se voluntaria.
V: E não têm medo que ninguém se ofereça?
GD: Em Portugal estamos com este receio. Quando estivemos cá da outra vez, fizemos uma palestra e no final abrimos para perguntas. Ninguém levantou a mão. Chegamos a duvidar se as pessoas estariam mesmo a gostar. No Brasil, toda a gente levanta a mão. O brasileiro tem muita sede de protagonismo.
V: Não há muitas mulheres no Porta…
GD: Isto é um problema do Porta. Nós somos cinco homens [os fundadores] e então, em algum lugar, as nossas ideias são mais masculinas. O que não deixa de ser um problema. E até estamos à procura, só que as mulheres do Porta não querem escrever. A Clarice [Falcão], por exemplo, escreve lindamente, mas não quer.
V: Mas no humor em geral não há muitas mulheres.
GD: É como a engenharia. Mas não é por serem piores, é por, culturalmente, não se esperar que venham a seguir esta área. Numa conferência, um nerd pergunta ao Neil de Grasse Tyson [astrofísico americano] porque é que as mulheres não gostam de ciência. E ele conta a sua história, de como foi o único negro da sua turma. Ele dizia que queria estudar Física e as pessoas sugeriam-lhe que esquecesse isso e se dedicasse ao basket, e ele odiava basket, ou tentasse o rap… Ele teve de vencer as objeções dos pais, dos amigos, dos primos, de toda a gente. Não há negros em ciência por estes serem piores nesta área, mas porque toda a gente os desvia daí achando que não é para eles. No humor é a mesma coisa. O homem faz uma piada e as pessoas riem. Se for uma mulher, as pessoas reagem mal: “que boca suja, credo, coisa feia!”
LL: Neste momento estão a aparecer no Brasil boas comediantes. Mas é uma questão séria, sim. Temos de descobrir como fazer [para o resolver].
V: E o vosso público, é mais masculino?
LL: Não. É bem equilibrado.
GD: Eu acho sim, é bem os dois. Por isso é que eu acho que a gente devia fazer uma coisa mais equilibrada. A própria Clarisse que saiu agora do Porta…
V: Saiu?
GD: Saiu como fixa, porque está a lançar um cd. Mas tem mil projetos paralelos com os Porta. Um deles é fazer uma série só com mulheres. Com certeza é um dos caminhos que a gente vai trilhar no próximo ano. Não será um humor feminino. Mas pelo menos não tão masculino.