Por causa destas e por outras é que Orson Welles dizia que não filmava pessoas a rezar e a fazer sexo: era, segundo ele, demasiado íntimo. Depois da forma de oração que era Árvore da Vida, Malick entrou num terreno algo movediço. Mas que é mesmo movediço por natureza: as relações entre as pessoas. Contadas à Malick, com offs, sem diálogos, só rumorejos o tempo todo, reverberações, ecos, imagens sempre relampejantes (sempre exibicionistas), seres vagueantes, fundidos em paisagens, impossíveis e esplêndidas umas, outras tão triviais como um supermercado, que parecem ter a mesma importância que os protagonistas. O realizador sempre a fazer o mesmo jogo de escalas: da sombra do planeta no horizonte ao pequeno insecto desorientado. E depois tartarugas marinhas submersas, como os pensamentos secretos dos amantes. Bisontes e ventanias, searas e vestidos, pedreiras, negrumes, piscinas, vitrais, imensas folhas secas no chão enrodilhadas pelo vento, um aparelho de contracepção num raio-x, caixotes e malas que são o que resta de um amor já empacotado. No filme de Malick tudo se passa como se fossem flashbacks na cabeça destes casais, sem princípio, meio ou fim, ou não exactamente por esta ordem, ora enamorados, ora indiferentes, ora apáticos, ora perplexos, ora apaixonados outra vez, vá-se lá saber porquê – porque não tem sentido nem nunca terá. O que não tem remédio. Um candeeiro aceso no lusco-fusco. “Que dá dentro da gente e que devia, que desata a gente, que é revelia, que é feito uma aguardente que não sacia”. E por aí adiante… Mesmo o padre eterno que nunca foi lá, (anda por ali um padre que é o Javier Barden) olhando aquele inferno vai abençoar. Se é maravilhoso? É. Se resulta? Francamente não.
A Essência do Amor De Terrence Malick.To the Wonder, com Ben Affleck, Charles Baker, Javier Bardem, Jeff Anderson, Olga Kurylenko, Rachel McAdams. Drama. 112 min. EUA. 2012