Admitimos que Enterrado – passado integralmente num caixão, onde está um americano sepultado vivo, no meio do deserto iraquiano – não parece ser o filme mais adequado à quadra natalícia. E no entanto, há uma estranha sintonia entre este desgraçado debaixo de sete palmos de terra e o estado de certas economias. Mas isto é uma crítica de cinema, e não um lamento. Por isso façamos o ponto. E mudemos de assunto, sim? O que, na realidade também não é fácil, porque durante a hora e meia ficamos fechados com a únics personagem naquele exíguo e funesto espaço. E falar de claustrofobia é pouco. Começamos na escuridão absoluta, prosseguimos com uns arfares, finalmente o estalido de um isqueiro Zippo, e abre-se um flash de luz sobre o olhar de angústia sufocada deste condutor de camiões de uma coluna de americanos emboscados. O filme testa os limites – os dele e os nossos. Ele não frequentou o “curso” de Pai Mei, portanto não tem o treino para sair dali para fora, como Uma Thurman em Kill Bill, de Tarantino. Tem de se arranjar com um telemóvel, fraco sinal da rede, metade da bateria e um pouco de oxigénio, que aliás seria rapidamente consumido pelo isqueiro, mas não estamos num filme de João César Monteiro, portanto um mínimo de iluminação é requerida. Enterrado faz um link para 127 horas, de Danny Boyle, a história de um montanhista que fica com o braço preso num desfiladeiro, longe de tudo. Este é mais ou menos a mesma coisa, com direito a mutilações e tudo mas felizmente sem sequências oníricas nem flash-backs. E com a diferença de que o primeiro era a céu aberto, e este é um filme “a terreno fechado”. São muito bem conseguidas as cenas de absurdo em que o condutor fica pendurado em gravadores de mensagens americanos, vozes que constantemente lhe dizem “hang on”, e se já é enervante a musiquinha de espera telefónica, imagine-se quando se está encafuado num caixão, algures no deserto. Pena que o realizador não tenha mantido o despojamento que seria muito mais arrojado e tenha cedido aos artifícios musicais e a zooms aparatosos. A tensão e a esperança de resgatar o enterrado permanece, mas um filme tão fechado nunca poderia ter um final em aberto.
De Rodrigo Cortés, Buried, com Ryan Reynolds; Suspense; 95 min, Espanha; 2010