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Nos anos 80 surgiu um slogan provocador que inquiria: “As mulheres para entrarem no Metropolitan Museum of Arte têm de se despir?” Era mais do que uma pergunta retórica, baseava-se num facto: 85% dos quadros representam nus femininos. Faz parte da história da arte ocidental, esta sobre-exploração da mulher desnudada, criada à semelhança dos padrões dominantes masculinos. A cada época, o seu estereótipo de erotismo: ou a virgem da concha de Boticelli ou as senhoras obesas de Rubens. Ou as pin-ups ou as madonnas. Ou a sensualidade ou a maternidade. Em qualquer dos casos, sempre um ar complacente, submisso, sedutor, vencido, dominado, passivo… Só mais tarde vieram as mulheres reais, ou com buço (Frida Khalo), ou imersas em melancolia e nos seus pensamentos – afinal também pensavam (Edward Munch), ou murchas de desalento em quartos de hotel barato (Edward Hooper). Marylin Monroe, a estrela de cinema mais famosa do mundo, o ícone pop do século XX, a mulher mais bonita do planeta, e detentora de outros tantos superlativos absolutos analíticos, padecia desta trágica condição: não era uma mulher real. E no entanto tinha cabelo, e cabeça, e cérebro, e orelhas, e olhos e nariz, e fígado, como na música de Nina Simone. E apesar de já ser uma diva consagrada, de ter milhões de admiradores aos seus pés, de já ter entrado em trinta filmes, de já ter feito o seu percurso de calendários, papéis insignificantes e amantes, também teve de se despir, aos 36 anos, seis semanas antes da sua morte. Por isso é que a exposição de Bern Stern, A Última Sessão (de 4 de Junho a 17 de Julho, no Centro Cultural de Cascais), que anda em itinerâncias pelo mundo, desde 62 – altura em que estas fotos de Marylin foram postumamente publicadas na Vogue – tem qualquer coisa de sinistro ou de vampírico, se se quiser. Era a sua última gota de sangue que estava ali a ser sugada. O derradeiro estertor de vida daquela que já agoniava em depressão, caos e embriaguez. Seis semanas passadas e pronto, Marylin já podia voltar a ser o que sempre quiseram que ela fosse. Um ser irreal e mitificado, sem as turbações, os tumultos e os desarranjos que o ser que vive dentro da pele sempre transporta, a atrapalhar a lenda.
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Num livro que agora é editado (com apenas 1500 exemplares), a acompanhar a exposição, Stern explica com algum detalhe e de forma basicamente desinteressante, o estratagema de como um “atrevido fotógrafo de Brooklyn” conseguiu levar a mulher mais cobiçada do planeta para a cama.
Admite-se a ligeireza da expressão, sobretudo quando se fala sobre um senhor, estimável fotógrafo, hoje com 82 anos e de uma lenda do cinema. Mas na verdade, foi disso que se tratou durante três dias de sessão, com mais de 2500 disparos. O intuito de Bert Stern sempre fora despir Marylin, fotografá-la nua. E sem colocar em causa a beleza das fotos, do modelo, a sua fotogenia única, da iluminação, da inspiração, Stern tinha estas intenções, quando propôs a sessão fotográfica à Vogue e ao agente de Marylin: “Apanhar Marilyn Monroe sozinha num quarto, sem mais ninguém por ali, e tirar-lhe a roupa toda”. A partir daqui, Stern conta como concretizou os seus intentos na suite 261, no Hotel Bel-Air, “o mais isolado, privado e belo hotel de Los Angeles”: “Um hotel sensual”. Esta tinha sido uma das exigências de Marylin, que a sessão decorresse em Los Angeles – o relato é omisso quanto aos montantes em causa… A outra eram três garrafas de Dom Pérignon de 1953. “No problem”, respondeu prontamente Stern. Estava “quase a realizar o sonho de todos os norte-americanos viris”. E todo o relato se compõe de comentários de idêntica elegância…
Nessa altura, Marylin já vivia em estado de desordem. Tornara-se uma actriz incómoda, até para os estúdios que a apresentavam como atracção de cartaz. O próprio Billy Wilder, que com ela realizou os clássicos O Pecado Mora ao Lado (1955) ou o Quanto Mais Quente Melhor (1959), já não tolerava o seu total descontrolo, ausência de profissionalismo, caprichos e tanta película e paciência com ela desperdiçadas.
Marylin chegou atrasada ao encontro 5 horas. Nada de especial, achou Stern. Com os artifícios de uns lenços, de umas transparências e de muitos copos de champanhe, Stern lá ia conseguindo despir Marylin. Primeiro sem camisola, depois sem calças e lá pela madrugada… sem nada porque ela já estava por tudo. Nas sessões seguintes, o predador da máquina conseguiu que toda a equipa da Vogue os deixasse novamente a sós. Fechou a porta do quarto à chave: “Aquilo era só para nós. A nossa cena…”. E foi aí que, conta, levou Marylin literalmente para a cama. Há uma foto, em que o autor não resiste ao auto-retrato com o seu troféu. Vêem-se em primeiro plano, uma garrafa e uma copo já meio bebido, ao lado de um sapato abandonado – o perfeito cliché. Projectados no espelho lá está Marylin nua, entre os lençóis e o fotógrafo sentado ao seu lado ergue a mão, algo maquiavélica, sobre a cabeça loura e desalinhada da actriz, como dantes os caçadores punham o sinistro pé em cima do animal abatido. “Não havia nada a não ser um lençol entre mim e o fogo”. “Pás”. E segue a descrever como a captou em diversas poses, enquanto ela rebolava e rastejava pela cama. “Pás”. Mas queria mais, “um belo nu imaculado – sem roupa, sem nada entre ela e eu, a não ser o ar”: “Quando se deseja muito alguém, e ela está exactamente ali à nossa frente, há algo de muito especial em não tocar e deixar que apenas a luz a acaricie. E a máquina fotográfica desempenha em tudo isto um papel muito forte”. A certa altura Stern reconsidera, ela estava vulnerável e bêbada, a equipa trancada do lado de fora, “era a maior oportunidade com que um homem alguma vez podia sonhar”… A actriz tinha um poder de atracção, como um grande planeta. Podia-se ficar esmagado pela força de gravidade. Mas Stern não se esborrachou contra a superfície-Marylin, ficou-se por um beijo, era um profissional, parece. Ela já estava adormecida, num transe de alcool e exaustão. E talvez de algum tédio, admita-se. Quando o fotógrafo saiu, a actriz já não dava acordo (nem aos clicks de Stern nem de si), e mesmo a dormir foi fotografada contra a almofada. A decadência das estrelas são muitas vezes a glória de outros. São as leis de Hollywood. Tudo isto pode parecer um pouco indigno, mas estávamos nos anos 60, o star-system da época admitia ainda muita coisa, e a Marylin, nesta fase, era menos uma pessoa e mais um conjunto de coordenadas: 94 centímetros de busto, 61 cm de cintura e 89 cm de anca. E honra seja feita a Bert Stern, em nenhuma das fotos a imagem de Marylin Monroe sai maculada. Nem quando exibe uma cicatriz desproporcionada no abdómen. Tinha sido operada, retiraram-lhe a vesícula, pouco tempo antes. O fotógrafo ainda sugeriu que retocaria depois a imperfeição, não o fez. E eis a Marylin: agora sem vesícula.
De tanto bater o seu coração parou. Norma Jean Baker (1926-1962), filha de pai incógnito e mãe louca, foi encontrada morta em casa pela enfermeira particular, nua na cama (novamente, o maldito cliché), com altos teores de barbitúricos no sangue – confirmaram depois os exames de toxicologia. Mesmo assim, teorias de uma conspiração que envolve a CIA e os Kennedy ainda pairam sobre o cadáver, como varejeiras insinuantes. Certo é que pelos seus escritos (revelados o ano passado) – a Marylin continua a render e deve ter um baú tão profundo quanto o de Fernando Pessoa – a morte era um dos seus pensamentos consoladores. Viver sempre também cansa, já se sabe. Ser sempre bonita e desejável, também.
Ficam as fotos e as macabras coincidências muito à Hollywood, no que foi o seu último filme, Os Indaptados (1961), de John Huston, com guião daquele que foi o seu terceiro marido, Arthur Miller (de quem também se divorciou). Se a de Bert Ster foi a última sessão fotográfica, a de Houston foi a última impressão de Marylin em película, num filme completo. Curiosamente, também foi a despedida de Clark Gable. A certa altura, numa fala do filme, este diz-lhe que ela é a mulher mais triste que alguma vez conheceu. Ao que ela reponde: “Mas todos pensam que eu sou alegre”. Gable retorque: “Isso é porque qualquer homem se sente feliz ao ver-te”.