Vá ao Indie e descubra o cinema português. Ou então tem como alternativa filmes de espírito independente dos quatro cantos do mundo. Mas Portugal é o desafio
É mesmo caso para gritar “viva!” O cinema português está em força no Indie Lisboa. Não que se tenha reduzido a uma dimensão doméstica. Pelo contrário, é sinal de crescimento e reconhecimento de um festival que premiou Arena, de João Salaviza, antes de Cannes. “Os realizadores portugueses aperceberam-se de que podem estrear os seus filmes aqui, e não tem que esperar pelos festivais estrangeiros”, avança Miguel Valverde, um dos directores. E, de facto, a competição nacional deste ano é de luxo. A maior diferença nota-se nas longas, onde estão cinco (é um recorde) filmes de grandes realizadores. E poderiam estar lá mais, já que foram 20 (recorde absoluto) os concorrentes.
São algumas das melhores obras do ano, seguramente. E diga-se que 2010 é um ano rico para o cinema português. Marcam presença os documentários de João Canijo, Catarina Mourão e Marco Martins. João Trabulo e a ficção de Pedro Caldas (também na competição internacional).
As curtas não se fazem apenas de desconhecidos. Salientem-se os grandes regressos de Sandro Aguilar, Pedro Serrazina, João Figueiras, Gabriel Abrantes ou Ivo Ferreira. E fica a curiosidade para a estreia na realização do actor Gonçalo Waddington.
Mas há mais cinema português, espalhado por quase todas as secções. Marco Martins ante-estreia a sua longa de ficção, há muito aguardada, Como Desenhar um Círculo Perfeito. Na secção Pulsar do Mundo, encontramos Rui Simões e Diana Andringa. Ante-estreia também A Religiosa Portuguesa, de Eugéne Green, que é uma co-produção, falada em Português e francês, com Leonor Baldaque no principal papel. E, em sessões especiais, Há Tourada na Aldeia, o regresso ao documentário puro e duro de Pedro Sena Nunes, e uma curta de João Botelho, que serve de ensaio ao que será o seu Filme do Desassossego, a partir de Bernardo Soares. Grande parte do Indie Music é português, com destaque para a série de documentários que a Music Box encomendou a Paulo Prazeres.
Competição e Pulsar do Mundo
Há uma certa predominância do cinema francês no festival, que se prende, naturalmente, com o gosto do comité de selecção. Mas não só. Dos 3700 filmes recebidos, havia 800 franceses. Tal está directamente relacionado com o prestígio do festival que é um dos 20 certames mundiais que conta para o acesso aos subsídios do CNC. É o caso de Au Voleur, de Sarah Leonor, com a importância acrescida de ser a penúltima aparição nos ecrãs de Guillaume Depardieu. Os irmãos americanos Ben e Josh Safdie apresentam Go get some Rosemary, um impressionante filme autobiográfico, que conta com a presença do filho de Lee Ranaldo. O músico dos Sonic Youth, de resto, deve participar na festa do Indie. The Robber, de Benjamin Heisenberg, conta a história verídica de um homem que é, simultaneamente, assaltante de bancos e maratonista profissional.
Um júri especial atribui o prémio para o Pulsar do Mundo, que é um espaço dedicado ao “cinema de intervenção”. Um dos mais esperados é Videocracy, de Erik Gandini, em que o realizador se conseguiu imiscuir na perversa esfera privada de Silvio Berlusconi. O filme, de resto, esteve para ser proibido em Itália. The cat, the reverende and the slave, de Alain della Negra e Kaori Kinoshita, propõe uma viagem ao admirável mundo virtual do Second Life. A curta Google Baby, de Zippi Brand Frank, mostra as artimanhas de uma empresa que disponibiliza barrigas de aluguer na Índia para casais homossexuais
Os Heróis Independentes
Os filmes de Heddy Hoonigan e Ben Rivers marcam presença assídua no Indie Lisboa. Mas este ano os realizadores ascenderam ao estatuto de Heróis Independentes. A holandesa Heddy Hoonigan é uma documentarista com um raro poder de empatia. Ao ponto de, no ano passado, ter ganho o prémio do público com um filme sobre o cemitério Pére Lachaise. A realizadora, que tem uma autêntica legião de admiradores em Portugal, entre outros, fez um filme muito badalado sobre os taxistas do Peru. Vai dar uma conferência que será moderada, imagine-se, pelo ex-Presidente da República Mário Soares.
Quanto ao britânico Ben Rivers é uma “paixão assumida”, de Miguel Valverde, que o classifica como um “artesão do cinema e verdadeiro cinéfilo”. Com apenas 35 anos, insiste em fazer filmes com métodos tradicionais, exibindo os cortes e as costuras. Muitas vezes usa câmaras antigas e filma sempre em película, contrariando a moda do digital.
Outro ‘herói’ é o Festival de Berlim, que faz 40 anos. Exibe-se um programa de 13 filmes seleccionados por outros quantos realizadores que ajudaram a fazer a história do festival.
Observatório e cinema emergente
O Observatório talvez seja a secção mais nobre do Indie. Mas também é aquela em que menos se arrisca. Aqui encontram-se obras de realizadores conhecidos e várias ante-estreias. Existe também uma ideia de ponte com as edições anteriores. É o caso de Werner Herzog, o herói Independente de 2009, que aqui surge com dois filmes americanos: The Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans e My Son My Son What Have You Done? Mas há mais ante-estreias, como The Vengeance, de Johnie To (que também já foi Herói Independente); Life During Wartime, de Todd Solondz; ou Greenberg, de Noah Baumbach. Mesmo sem estreia prevista, destaca-se o documentário de Abel Ferrara, Napoli, Napoli, Napoli.
Se em Observatório estão as opções mais seguras, em Cinema Emergente estão as mais ousadas. É a secção privilegiada do festival, onde se procura homenagear as vanguardas e as diferentes formas de fazer cinema. Como é o caso de Beeswax, de Andrew Bujalski, que recorre a não actores. Io sono l’ampre, um filme poderosíssimo e visceral, do italiano Luca Gardagnino. O mais aguardado talvez seja mesmo Lebanon, de Samuel Maoz, que ganhou O Leão de Ouro de Veneza. J’ai tué ma mére, de Xavier Dolan, um realizador de apenas 19 anos, considerado uma das grandes promessas do cinema mundial, que aqui interpreta ele próprio o papel principal. La Reinne de Las Pommes, de Valérie Donzelli, uma das raras comédias do festival.
Director’s Cut e IndieMusic
São as duas secções que exigem um público mais específico mas sempre fiel. A primeira dedicada a cinéfilos, a segunda a melómanos. No Indie Music há grandes destaques, como When You’re Strange, de Tom DiCillo, sobre os Doors, Villalobos, sobre o DJ argentino que anima as noites de Ibiza.
Director’s Cut não é dedicado a versões finais de realizadores, mas sim a filme que de alguma forma reflectem sobre o próprio cinema. É o caso de L’enfer de Cluzot, um filme inacabado do realizador francês, com Rommy Schneider e Serge Reganni, que agora é recuperado por Serge Bromberg e Ruxandra Medrea. La Notte Quando é morto Pasolini, em que Roberta Torre entrevista Pino Polesi, que foi falsamente condenado pelo assassinato do realizador. Ou MM, last Interview, em que é encenada a derradeira entrevista de Marylin Monroe.