Quando um árbitro se deixa enganar pela simulação de um jogador e marca um penálti inexistente é logo chamado de mil nomes, de larápio para cima. Ao jogador nada acontece, não é condenado, nem sequer moralmente, e com um pouco de sorte ainda é erguido em ombros, como herói: o artista do ano, a mão de Deus… A culpa não é do ladrão, mas sim do polícia Que o deixou roubar. Assim se passa no decrépito futebol português, que não mereceria estas linhas se não viesse a propósito do último filme de Joaquim Leitão, A esperança está onde menos se espera.
É que a personagem central, Francisco (Virgílio Castelo) é um treinador da bola, tema pantanoso no cinema português, depois deCorrupção (producer’s cut) e do inenarrável Star Crossed, um Romeu e Julieta da bola (parece que o melhorzinho é mesmo O Leão da Estrela).
Claro que Francisco não é um treinador da bola qualquer, a sua figura não pode ser inspirada em nenhum exemplo vivo, apesar de em determinada altura lhe chamarem O Mourinho da Cova (da Moura). É que se trata de um treinador que leva os preceitos de honestidade a um extremo risível. A sua equipa, de escalão inferior, chega ao final da Taça de Portugal, após ter eliminado o Porto no Dragão. Feito notável que torna o seu treinador cobiçado pelo Benfica. Só que nesse encontro decisivo dá-se um lance polémico. A falta é sofrida fora da área, mas o árbitro marca penálti. Através de um papel, o treinador ordena ao seu jogador: “Falha!”. A equipa perde e o treinador não só é despedido como a sua “integridade” o impede de ser contratado por qualquer outro clube. Assiste-se assim a uma queda social, sua e da família, da vivenda do Restelo para a Cova da Moura, do colégio particular para a escola pública (no caso do filho), de Lisboa para Luanda (no caso da mulher). Toda a família fica fora-de-jogo.
Este não é um filme sobre futebol. O tema é demasiado curto. É um filme sobre o desemprego e o empobrecimento, sobre mobilidade social, sobre a aceitação do outro, sobre o desespero e a esperança. Poderia ser uma telenovela da TVI, daquelas que dão ao mesmo tempo que a RTP transmite o jogo. Porque se o argumento não promete, a concretização piora um pouco. Há uma demagogia elevada ao extremo, com os mais básicos truques telenovelísticos, percorrendo os clichés um por um. Virgílio Castelo, como está triste, está sempre à chuva. E na noite de Natal, por absurdo que possa parecer, senta-se à neve (?!), marcando assim o momento de viragem. Há uma constante busca da lamechice através dos elementos mais banais. E, na sua base, não passa de um filme para adolescentes, uma espécie de Morangos com pretensões moralistas. Que a conclusão a que se chega é: “Tá-se bem na Cova da Moura”. Porque é ali, onde menos se espera, que é encontrada a felicidade… Citando o fadinho de Amália: “A alegria da pobreza/ está nesta grande riqueza/ de dar e ficar contente”.
Curta valia do filme é a qualidade de alguns diálogos, sobretudo as deixas de José Carlos Cardoso (Mané), um actor bem achado no bairro, que se revela superior a todo o elenco. Mas não deixa de ser um passo em falso de Joaquim Leitão, realizador capaz do melhor e do pior, mas que já nos ofereceu grandes filmes, como Duma vez por Todas.
E se aqui se diz A esperança está onde menos se espera, de Joaquim Leitão, é por vício europeu de considerar os filmes dos realizadores. Este é um daqueles casos em que paira a dúvida sobre a autoria, embora o realizador nunca a tenha renegado (como aconteceu com João Botelho). É que aqui o produtor assume um protagonismo pouco habitual. Foi Tino Navarro que escreveu o argumento. E, para cúmulo, o filme é dedicado ao seu (de Tino Navarro) filho e ao seu pai. É como se uma equipa de futebol fosse treinada pelo presidente. Nunca deu bom resultado…