1993 foi um ano especial. Mário Soares atazanava o juízo a Cavaco Silva com a sua presidência aberta, a mostrar os podres da área metropolitana de Lisboa; um jovem António Costa fazia corridas entre um burro e um Ferrari na Calçada de Carriche, durante a campanha autárquica; entrava em vigor o Tratado de Maastricht, lançando as bases para a criação de uma moeda única europeia; os estudantes a quem mais tarde Vicente Jorge Silva chamaria Geração Rasca manifestavam-se na rua contra as provas globais no Ensino Secundário e as propinas universitárias; Nelson Mandela recebia o Prémio Nobel da Paz. Em 1993, nascia também o Centro Cultural de Belém; sonhava-se com um telemóvel Nokia 1011, o primeiro telefone GSM produzido em massa; o Toyota Carina E era o carro do ano; o Parque Jurássico era o filme-sensação.
Na economia, depois de um forte crescimento que se seguiu à adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, chegou de fora um arrefecimento, ditado pelo rescaldo da Guerra do Golfo, pela subida das taxas de juro e por uma política orçamental restritiva. O ano foi de recessão: uma queda de 1,67% do PIB e uma inflação de 6,8%. Apesar disso, nos média os tempos eram gloriosos. As televisões privadas chegavam em força – nascia a TVI, meses depois da SIC. O JN e o DN mantinham-se fortes na sua história, O Independente estava no auge da sua popularidade combativa, o Expresso “tirava” uma média de 158 mil exemplares, a um preço de 320 escudos.
Foi neste contexto que a arrojada equipa d’O Jornal, criado em maio de 1975 por uma cooperativa de jornalistas, decidiu lançar a VISÃO. Inspirada nas newsmagazines semanais como a Time e a Spiegel, assumiu-se uma revista de informação moderna e desempoeirada, de escrita e de grafismo cuidados, opinião diferenciadora. Percorrer os primeiros números é um deleite. José Carlos de Vasconcelos era diretor editorial da Projornal, Cáceres Monteiro o diretor, Fernando Assis Pacheco redator-principal, Pedro Rolo Duarte editor. Eduardo Lourenço, Francisco José Viegas, Nuno Júdice, João Gobern, Manuel Falcão alguns dos colaboradores permanentes.
No seu estatuto editorial, o mesmo que vigora desde o primeiro número, a revista apresentava claramente ao que vinha: oferta de “uma ampla cobertura dos mais importantes e significativos acontecimentos nacionais e internacionais, em todos os domínios de interesse”, “independente do poder político, do poder económico e de quaisquer grupos de pressão”, identificada “com os valores da democracia pluralista e solidária”, onde se “defende o pluralismo de opinião, sem prejuízo de poder assumir as suas próprias posições”.
A pessoa sabe que chega a uma certa idade quando tira tanto prazer de recordar como de viver. E a VISÃO chegou a esta “certa idade”: 30 anos redondos. Neste período, impôs-se como marca de referência e reinventou-se, criou uma parafernália de submarcas em nichos de mercado – VISÃO História, VISÃO Júnior, VISÃO Biografia, VISÃO Saúde, VISÃO Saber, VISÃO Açores, VISÃO Madeira, entre outras –, tornou-se digital, resistiu a uma mudança do modelo de negócio dos média, com o advento da internet e das redes sociais e a chegada das grandes plataformas tecnológicas que abocanham a fatia de leão das receitas publicitárias.
O mundo mudou muito nestas três décadas, Portugal também. O País mergulhou num período de fraco crescimento (copo meio cheio) ou longa estagnação (copo meio vazio); a sensação de ressentimento adensou-se e fez crescer os populismos, acalentados pelas redes sociais, onde medram bem descontentamentos e rancores; as pessoas descobririam nos ecrãs outras formas de se entreter, mais do que de se informar; a superficialidade e a polarização ganham espaço; regressaram as guerras na Europa e as pandemias.
Fazer informação de qualidade nunca foi tão essencial e é cada vez mais difícil. Mas uma coisa é certa: o papel absolutamente fundamental dos média mantém-se intacto. O jornalismo não desaparecerá. Livre, escrutinador, explicador, incómodo. E a esperança também não. Recupero uma ideia que usei no meu primeiro editorial como diretora da VISÃO, em 2016, citando um verso de Sophia de Mello Breyner Andresen: os jornalistas são como “os que avançam de frente para o mar”, e “vivem de pouco pão e de luar”. Avancemos, pois, com visão.
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