Entre as memórias mais antigas que tenho associadas à casa de férias dos meus avós paternos, na praia da Barra de Aveiro, estão os guinchos aflitivos de um porco a passar na rua. O adjetivo tem dois significados e ambos faziam sentido – eram sons que, ao mesmo tempo, causavam aflição e revelavam aflição.
Lembro-me de pensar isso quando a minha mãe me aconselhou nessa manhã: “Não vás agora lá fora porque estão a levar um porco para a matança.” Eu teria uns 8 anos e paguei caro não ter seguido o seu conselho. Nunca mais me esqueci daquele animal enorme a debater-se em cima de um carrinho de mão, nem da faca que um dos homens levava à vista de todos.
Miúda da cidade, raramente era confrontada com esse tipo de situações. Já vira uma galinha a correr de cabeça meio decepada, mas os sons excruciantes daquele porco iam impressionar-me para sempre. Vivia a ler fábulas do tempo em que os animais falavam, e por isso, para mim, ele gritava “Socorro! Quem me acode?!” ou qualquer outra coisa desesperada do género.
Quando agora leio que uma equipa de investigadores quis tentar perceber o que significa quando um porco grunhe, faz “oinc, oinc” ou guincha, com o objetivo último de avaliar o seu bem-estar em diversas situações, não me admiro. Mais: até aplaudo. Querer identificar as emoções de um animal, mesmo que esse animal faça parte da produção agroalimentar, revela humanidade.
“O bem-estar dos animais é hoje em dia amplamente aceite como baseado não só na saúde física dos animais, mas também na sua saúde mental”, lembra Elodie Mandel-Briefer, professora de Biologia na Universidade de Copenhaga, na Dinamarca, que liderou uma equipa internacional composta por cientistas de cinco laboratórios que criaram um algoritmo capaz de avaliar os estados emocionais dos porcos com base nos seus sons.
A primeira fase do estudo, agora publicado na revista Scientific Reports, envolveu microfones de mão para recolher cerca de 7 400 diferentes vocalizos de 411 porcos. Esses sons foram registados durante todos os tipos de situações na vida de um porco, desde o seu nascimento até chegar ao matadouro. A seguir, os investigadores atribuíram a cada som um valor emocional positivo ou negativo, deduzindo de maneira intuitiva aquilo que o animal provavelmente sentiu durante os eventos em que os sons foram gravados.
Foi, então, que repararam em determinados padrões. Os vocalizos que os porcos fazem quando estão a comer ou se juntam às suas companheiras após uma separação têm tendência para serem mais curtos e duma só nota. Se, por exemplo, os animais estiverem à espera do abate ou se entrar alguém indesejável no curral, os seus vocalizos têm uma duração mais longa e um tom mais variável.
Claro que nós, humanos, somos capazes de distinguir uns fofos oinc, oinc de uns guinchos lancinantes, nota Elodie Mandel-Briefer. Conseguimos intuir as emoções que o animal está a sentir, mas a inteligência artificial vai mais longe e mais depressa. O algoritmo criado por uma das investigadoras, Ciara Sypherd, doutoranda em Ciências de Engenharia na Universidade de Harvard, nos EUA, identificou corretamente a emoção do animal como positiva ou negativa em 92% das vezes.
O estudo faz parte do projeto SoundWel, patrocinado pela União Europeia, que visa compreender a codificação das emoções nas vocalizações dos porcos e utilizar este conhecimento para desenvolver uma ferramenta que possa avaliar o bem-estar na exploração, ao determinar o seu estado emocional através das vocalizações.
O resultado final do SoundWel será um sistema preciso e não invasivo para identificar os estados emocionais dos porcos, lê-se no site oficial do projeto. Um sistema que poderia ser utilizado na exploração e servir como uma ferramenta para os profissionais compreenderem e controlarem as ameaças ao bem-estar dos porcos. Seria, então, possível controlar e melhorar o bem-estar dos animais, minimizando o stresse e encorajando emoções positivas.