Formação ao longo da vida, com cursos direcionados às necessidades do mercado, é a chave para aumentar as competências dos portugueses, que estão na cauda da Europa apesar de ter aumentado a bom ritmo o número de licenciados. Esta é uma das conclusões do Estado da Nação, vista pelos olhos da Fundação José Neves (FJN), que traçou ainda diagnósticos sobre temas como qualificações e rendimentos.
Dali se depreende, por exemplo, que as mulheres estão cada vez mais capazes de chegar às lideranças, mas continuam a ganhar menos do que os homens com o mesmo grau de ensino. Ou que as pessoas com mais qualificações têm vindo a ver os seu salário médio real degradado ao longo dos últimos anos, embora os licenciados ganhem mais do que os que o não são (ver, em baixo, algumas das conclusões).
Este documento, que pretende ser “um farol de atuação” para os próximos 20 anos, foi elaborado com base numa série de indicadores e trabalhado em conjunto por investigadores das universidades do Minho e de Aveiro. Com base em dados, pretende a FJN que assim se perceba as fragilidades do País e todas as entidades públicas e privadas identifiquem prioridades e caminhos a seguir, para que Portugal possa ser uma sociedade do conhecimento através de “uma educação alinhada com as necessidades do futuro”.
Desta forma, também a FJN – criada por José Neves, fundador da Farfetch – terá uma base para saber onde investir e assim ir de encontro às necessidades do mercado. Recorde-se que a fundação “tem já cerca de 600 mil euros de bolsas comprometidas e tratadas com mais de 80 estudantes” e que até ao final do próximo ano quer colocar 5 milhões de euros em propinas pagas.
“Em meados do próximo ano, queremos perceber se, em vez de 5 milhões, podemos ter 10, 20 ou 50 milhões disponibilizados para os próximos anos e se assim conseguimos atingir um impacto sistémico no país, se podemos escalar e aumentar a formação de muitos mais portugueses”, adiantou Carlos Oliveira, presidente executivo da FJN, à VISÃO.
Aqui ficam as principais conclusões do Estado da Nação, no que toca a Educação, Emprego e Competências:
Fosso inter-geracional na educação
– Quase metade (47%) dos portugueses entre os 25 e os 64 anos não terminaram o ensino secundário, o que representa mais do dobro da média europeia e põe Portugal na cauda da Europa.
– Só 26,3% dos adultos completaram, em 2019, o ensino superior, apesar do crescimento de licenciados entre os mais jovens, que estão cada vez mais qualificados.
– Portugal é o país com mais diferenças inter-geracionais nos níveis de qualificação. A grande diferença de qualificações entre empregados mais qualificados e empregadores menos qualificados “pode ser responsável por desafios à integração dos mais jovens no mercado de trabalho”, bem como na capacidade de responder “às constantes alterações do mundo do trabalho, como na adoção de novas tecnologias ou novas forma de organização laboral”.
– A aprendizagem ao longo da vida é “urgente”, face às mudanças da última década, como a transformação digital e a generalização da automação dos processos de produção, que obrigam os empregadores a buscar novas competências. Só cerca de 10% tem formação ao longo da vida.
– O ensino profissional foi peça importante para a diminuição do abandono escolar, que se verifica mais nos homens do que nas mulheres.
Mulheres cada vez mais capazes de chegar às lideranças
– Em 2020, 82% das mulheres entre os 25 e os 34 anos tinham pelo menos o ensino secundário completo, contra 76% dos homens. E quase 50% tinham um curso superior, quando a percentagem de homens se fica pelos 34,6%. Estão também em maioria nos mestrados e nos doutoramentos, o que as torna cada vez mais elegíveis para lugares de liderança.
– Mas são as mulheres as mais penalizadas no salário, pois ganham em média menos 38% que os homens com o mesmo grau de ensino (menos 32% com grau de mestrado e menos 28% com o ensino secundário)
Salário dos licenciados diminuiu 17% em 8 anos
– Entre 2010 e 2018, o salário médio real dos jovens licenciados caiu 17%. Quer dizer que tem havido um empobrecimento das pessoas com mais qualificações.
– Mas mesmo assim, ter mais formação é maior garantia de ter emprego e melhor salário, probabilidade que aumenta quanto maior for nível de educação. O estudo demonstra que os licenciados ganham em média mais 750 euros do que aqueles que só têm o ensino secundário.
– São os jovens entre os 25 e 34 anos que mais facilmente ficam desempregados. Mas quanto mais qualificações tiverem mais asseguram a continuidade do emprego.
– Há cerca de 15% de diplomados a trabalhar em ocupações pouco qualificadas, que não exigem esses níveis de formação
Desajustamento entre formação e mercado de trabalho
– Os trabalhadores com mais de 44 anos de idade representava, em 2019, quase 48% do total de trabalhadores, mais cinco pontos percentuais do que em 2011. O que aponta para um aumento do envelhecimento da população empregada.
– Entre 2011 e 2019, as ocupações que perderam mais emprego foram as que empregavam pessoas pouco qualificadas e que sofreram processos de automação.
– Existe um desajustamento entre a educação e o mercado de trabalho, pois 19,4% dos que terminaram recentemente o ensino superior não estão empregados e outros estão a trabalhar em funções que não exigem este nível de ensino
Ambições da FJN para 2040
– Baixar dos 47,8% atuais para os 15% de adultos entre os 25 e 64 anos com baixa escolaridade
– Aumentar dos 10,5 para os 25% os empregados que fazem formação ao longo da vida
– Contribuir para que Portugal esteja nos 10 países da União Europeia com maior peso do emprego em setores tecnológicos e intensivos em conhecimento.