Foi na noite de sábado, 16, que o Chega ensaiou o seu momento “não racista” de campanha eleitoral. Na sede de candidatura em Bragança, loja emprestada ao partido pelo empresário e apoiante Norberto Garcia, André Ventura anunciou a presença de elementos da etnia cigana como “exemplo” da abertura da formação política que lidera. “O Chega quer é que todos tenham de cumprir a lei da mesma forma, por isso este apoio é particularmente importante”, explicou, rodeado de Fátima Gomes, dona de uma roulotte de comida rápida na capital do nordeste transmontano, e do sobrinho Natanael André. “Temos elementos da comunidade cigana que nos apoiam e compreendem a importância da nossa mensagem. É um orgulho muito grande que façam parte da equipa distrital”. Nas redes sociais, o candidato partilhou até um tweet onde relevou “o apoio de dois membros da comunidade cigana local porque trabalham, pagam impostos e não se revêem no comportamento genérico da comunidade”.
Na ocasião, Fátima Gomes demarcou-se dos comportamentos que atribui aos próprios ciganos: “Não sigo os ideais da etnia, eu sou completamente diferente. Embora seja da etnia, não me revejo nalgumas coisas da cultura e da vida deles”, adiantou. Exemplos? “Não trabalhar, a falta de higiene, viver em barracas”. Para ela, as tradições não servem para governar a vida, embora critique a sociedade quando impede a integração dos ciganos. Ao seu lado, Natanael concordou que era preciso “todos trabalharem para o País andar para a frente”.
A tia e o sobrinho, entretanto, já se arrependeram do breve momento de fama.
Fátima Gomes publicou nas redes sociais um pedido de desculpas pelas ofensas involuntárias, considerando ter existido “um mal-entendido”.
O caso de Natanael é mais bicudo: num vídeo pessoal gravado horas depois do sucedido – embora circule uma versão curta, a VISÃO acedeu à versão completa, de cinco minutos – confessa, afinal, que não é cigano e garante que “em nenhum momento” se identificou como tal. Nascido em Portugal e criado em Madrid, Natanael garante ter sido convidado a aparecer na sede quando “já estava na cama”. E relata: “O segurança do senhor Ventura agarrou-me pelo braço e meteu-me lá dentro (…) Entrei porque me agarraram”. Depois, sim, manteve-se no local “de livre vontade”. Pedindo desculpa aos ciganos por toda a polémica criada, confessa ter muitos amigos daquela etnia, alguns dos quais, admite, até já estiveram com ele na cadeia. “Não quero ofender nenhum tipo de etnia”, garante, depois de ter recebido mensagens ameaçadoras. “Não sou esse género de pessoa, para mim somos todos iguais”. Confessando-se distante da política, Natanael André admite: “O que gosto é de fumar um porro [charro] de erva e estar com os amigos tranquilamente”. No vídeo, assume não ter recebido qualquer contrapartida financeira para aparecer ao lado de André Ventura. “Oxalá me tivessem pagado”, admite. “Se soubesse antes que ia ter mil pessoas a ameaçarem-me no Facebook, teria pedido cinco mil euros…”.
O “patrão” das discotecas
A sede de candidatura de André Ventura em Bragança, onde ocorreu o polémico momento “cigano”, tem, contudo, outra curiosidade.
A loja foi emprestada ao partido pelo empresário do imobiliário Norberto Lopes Garcia, apoiante do Chega e amigo do líder da distrital do partido, José Júlio Vaz Pires, antigo presidente de junta de freguesia do PSD em Bragança, e pelo filho Telmo Garcia, dono das três discotecas da cidade: Mercado Club, Moda Café e Club Havana. “A loja estava vazia há bastante tempo, os dirigentes do Chega comprometeram-se a limpar aquilo tudo e cedemos o espaço por um mês, sem custos. Foi bom para todos. Mas se fossem mais meses, já não dava. Não há almoços grátis”, assume Telmo Garcia à VISÃO.
Segundo o empresário e vice-presidente da Associação Nacional de Discotecas, o pai “é que é grande defensor do Ventura, acha que o Chega devia ser governo”. Telmo é um pouco mais moderado. “Se integrasse uma geringonça de direita já ficava satisfeito. Agradam-me algumas ideias do Ventura, sobretudo quando ataca os corruptos e promete combater a metade do País que anda a chular a outra metade que cumpre e paga impostos”. Telmo Garcia é contestatário das medidas do Governo para combater a crise económica gerada pela pandemia e até participou na manifestação dos empresários da restauração em frente à Assembleia da República, em novembro, promovida, entre outros, pelo chefe de cozinha Ljubomir Stanisic. “Quando fechei as discotecas em março tinha 200 mil euros em depósitos à ordem, mas já foram”. Telmo Garcia desmente, entretanto, ter voado de Bragança para Lisboa para participar na referida manifestação, uma vez que é piloto de aeronaves. “Por acaso nesse dia fui de carro…”, contesta. “Já tive uma avioneta minha, mas agora tenho uma em regime de copropriedade”.
Nas eleições presidenciais, não vai, porém, deslocar-se às urnas. Se pudesse, “quase de certeza votaria no André Ventura”. Mas não pode. “A minha residência fiscal continua a ser em Marrocos, onde tenho uma empresa de relvas desportivas”, explica. O candidato Ventura pode, pois, ficar sossegado: este, pelo menos, parece ser dos tais “portugueses de bem”. E não é refugiado.