As perguntas são ainda muitas, mais do que as respostas. No entanto, para a comunidade médica é urgente descobrir como o novo coronavírus está a matar as pessoas, sobretudo nesta altura em que aumentam as dúvidas sobre se é o próprio vírus – ou a consequente resposta do sistema imunológico humano – que conduz à falência de alguns dos órgãos responsáveis pela morte dos doentes infetados. Com estas dúvidas, os médicos não perceberam ainda como tratar a doença nos casos mais graves.
Dados clínicos sugerem que o sistema imunitário desempenha um papel importante no declínio do estado de saúde e mesmo da morte dos infetados e, por isso, a administração de esteroides tem sido um tratamento utilizado pelos médicos para tentar controlar a resposta imunológica à Covid-19. Só que suprimir o sistema imunitário enquanto este tenta combater uma infeção…
“O meu maior medo é que isso seja levado ao extremo e que as pessoas estejam a usar tudo o que está ao seu alcance para desligar esta resposta imunitária”, alerta Daniel Chen, imunologista americano, na Nature. E adverte: “Não podemos derrubar o sistema imunitário no momento da luta contra uma infeção.”
Algumas das primeiras análises que surgiram na China durante o início do surto colocaram a hipótese de que a resposta do nosso sistema imunitário, para além do próprio vírus (Sars-CoV-2), pode conduzir à morte. Análises ao sangue dos doentes gravemente infetados mostraram altos níveis de proteínas designadas citocinas, responsáveis por aumentar a resposta imunológica do nosso organismo, convocando a produção de interleucina-6 (IL-6) – uma outra proteína libertada a partir de macrófagos que intervêm na defesa contra infeções. No entanto, esta resposta, conhecida como “tempestade de citocinas” pode acabar por danificar as células pulmonares e conduzir à morte.
Para resolver este problema, os especialistas acreditam que é fundamental desenvolver um tratamento capaz de bloquear as capacidades da IL-6 e, ao mesmo tempo, reduzir o fluxo de macrófagos – células que derivam dos monócitos sanguíneos – presentes nos pulmões. Neste momento, há já medicamentos que cumprem estas funções – frequentemente utilizados para o tratamento de artrite reumatoide. No entanto, estão ainda em fase de testes para comprovar a sua possível eficiência no combate a esta doença. Na China, por exemplo, um desses medicamentos (Actemra- tocilizumab), fabricado por uma empresa farmacêutica da Suíça, foi aprovado pela comunidade medida e faz agora parte do conjunto de tratamentos para combater a Covid-19.
A corrida aos tratamentos
À medida em que aumenta o número de infetados hospitalizados, multiplicam-se os esforços para salvar o maior número de vidas. No entanto, sem tratamentos farmacológicos específicos para combater a doença, nem tão pouco uma vacina, esta tarefa torna-se cada vez mais complicada. Alguns médicos estão já a administrar verdadeiros cocktails de terapias não comprovadas, numa tentativa desesperada para salvar vidas.
“Os médicos vêem os pacientes a deteriorarem-se diante dos seus olhos, e há uma motivação muito forte para procurar qualquer terapia que seja eficaz”, esclarece Kenneth Baillie, anestesista e investigadora da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido. “Quando me sinto impotente, aos pés de uma cama, sinto exatamente o mesmo”, confessou.
No entanto, a nível global, não existe ainda nenhum tratamento suficientemente poderoso para pôr fim ao novo coronavírus e, por isso, muitos médicos estão a recorrer aos esteroides, que reprimem amplamente a resposta imunitária, como uma alternativa possível. É certo que os esteroides são capazes de inibir a atividade da IL-6, permitindo assim que outras respostas de imunidade sejam lançadas pelo nosso organismo. Porém, os esteroides estão ao mesmo tempo a reduzir significativamente a capacidade do nosso corpo de combater a infeção. E isso é perigoso, alertam os especialistas. “Quando as coisas ficam realmente más, os médicos usam esteroide”, revelou James Gulley, imuno-oncologista do Instituto Nacional do Cancro, nos EUA. E acrescentou: “Estou bastante reocupado com o destino dessas pessoas”. Segundo o especialista, os esteroides não apenas suspendem os macrófagos (responsáveis por danificar as células dos pulmões), com também outras células de imunidade chamadas T CD4 e T CD8 que são capazes de destruir eficazmente células infetadas (com maior precisão do que os macrófagos). No entanto, insiste: “Devemos assumir que há uma resposta imune antiviral em andamento que é importante para esses pacientes”, justificando que a redução das células T CD4 e T CD8 podem constituir um problema ainda maior.
Neste momento, há já várias investigações em curso para testar a eficácia do uso de esteroides no tratamento da Covid-19. Para os especialistas esta é a única solução possível. Resta, então, esperar pelas conclusões dos estudos: “Não existe outra maneira de saber se um tratamento está a funcionar”, remata a anestesista Kenneth Baillie.