Nas últimas semanas, as redes sociais foram invadidas por dezenas de testemunhos de pessoas que alegam ter sonhado com o coronavírus ou tido sonhos estranhos, que atribuem a este tempo que atravessamos. O motor de busca Google também já registou um aumento do número de pesquisas. “Sonhos Covid-19”, “sonhos com coronavírus” e ainda “pesadelos” estão entre os tópicos mais procurados. Por exemplo, nos EUA, os números quadruplicaram só numa semana.
E se tudo isto parece estranho, saiba também que no Twitter há já uma página (@IDreamofCovid19) dedicada à partilha dos sonhos e pesadelos dos utilizadores durante a pandemia. Neste momento, a página reúne centenas de testemunhos de pessoas de todo o mundo. Num dos relatos pode ler-se: “Sonhei que consegui abraçar a Michelle Obama, que seria um sonho realmente bom, excepto pelo facto de ter sido passado no momento presente e, por isso, ter-se transformado num pesadelo com a minha preocupação de lhe ter transmitido o coronavírus e vice-versa”.
Para os especialistas, o aumento do número de pesadelos é, nesta altura, perfeitamente normal. E há várias razões que justificam este fenómeno, a começar pela forma como o nosso cérebro assimila e gere a quantidade de informação que recebemos diariamente sobre a realidade que nos cerca, acabando de alguma forma por manifestar-se durante a fase do sonho.
Estas condições acentuam-se sempre que vivemos episódios inesperados ou sobre os quais não conseguimos criar uma representação física. É o caso dos medos inconscientes ou perigos e ameaças invisíveis. Daí que os especialistas acreditem os sonhos perturbadores sejam nesta fase particular um comportamento natural e normal do nosso corpo.
Para a Deirdre Barrett, psicóloga da Universidade de Harvard, com uma experiência de mais de quatro décadas no estudo dos sonhos, não existe razão alguma para as pessoas ficarem alarmadas. “É um exagero dizer que estamos todos traumatizados no sentido do que realmente isso significa para a psicologia”, disse a psicóloga numa entrevista ao The New York Times, desvalorizando assim as recentes alegações de que estes sonhos perturbadores podem ser sinónimo de um transtorno de stress pós-traumático.
O mesmo não se aplica aos profissionais de saúde que contactam diretamente com o caos. “As pessoas que decidem dar um ventilador a um paciente ou não, que vêem corpos espalhados nos corredores – essas pessoas certamente cumprem os critérios para o que chamamos de trauma agudo, e espera-se que desenvolvam um transtorno de stress pós-traumático”, alertou. Nestes casos particulares, é natural que as pessoas venham a ter sonhos traumáticos graves, sobretudo a partir do momento em que as rotinas e o número de horas de sono sejam restabelecidos.
Estes sonhos ocorrem principalmente na última fase do ciclo de sono. Cada uma das quatro etapas que completam este ciclo é responsável pelos processos de descanso, libertação de hormonas e consolidação da memória. No entanto, só no último estágio quando o sono é mais profundo, o cérebro está mais ativo e os músculos completamente relaxados é que conseguimos realmente sonhar. Esta fase repete-se em média 5 vezes durante uma noite e tem a duração de aproximadamente 90 minutos. “Portanto, os sonhos fantásticos que as pessoas estão a relatar têm provavelmente origem nesta fase”, acrescentou à CNN Jason Ellis, professor de psicologia da Nothumbria University, no Reino Unido.
No entanto, o que ainda não tem explicação para os especialistas é a forma como estes sonhos estão a ser facilmente rememorados pelas pessoas – natural seria tê-los esquecido logo após acordarmos.
O que fazer para uma boa noite de sono
Ver programas de televisão ou filmes com histórias emocionantes parece uma excelente ideia para passar o tempo enquanto permanecemos fechados em casa. E porque mantemos o desejo de estar sempre atualizados ver ou ler notícias é também uma boa opção. No entanto, estas atividades parecem não ser adequadas para preencher as últimas horas do nosso dia.
Segundo os especialistas, a exposição à luz dos ecrãs (da televisão, computador, smartphone ou tablet) horas antes de adormecermos comprometem a qualidade do sono. Da mesma forma, a falta de rotinas pode produzir efeitos semelhantes. Por isso, adotar hábito saudáveis de sono como definir horários para quando adormece e acorda, evitar o contacto com os ecrãs até quatro horas antes de apagar a luz e ainda dispensar as notícias antes de adormecer são o segredo para reduzir os níveis de ansiedade e proporcionar uma boa noite de sono. Além disso, previne a longo prazo alguns problemas graves.
“Sabemos que as pessoas que não dormem bem criam um risco acrescido de desenvolver no futuro depressão ou até um transtorno de stress pós-traumático”, alertou Ellis. “Por isso, acho que o que precisamos de fazer agora é concentrarmo-nos na qualidade do sono das pessoas para evitar o aparecimento de doenças psicológicas”, rematou.
Como controlar os nossos sonhos
Para quem nesta fase precisa de recuperar o poder sobre os seus sonhos, a Deirdre Barrett recomenda que tente “programar” o seu cérebro. A técnica chama-se “incubação dos sonhos” e, segundo a especialistas, “temuma taxa de sucesso bastante elevada”.
Primeiro deve escolher uma categoria sobre aquilo que realmente gostaria de sonhar – por exemplo: voar, embora o assunto não tenha que ser necessariamente abstrato. Depois, tem apenas de se esforçar para vislumbrar o seu sonho antes de adormecer. No entanto, caso não consiga, a especialista recomenda que adote outra estratégia: “Se as imagens não chegarem facilmente, coloque uma foto ou outros objetos relacionados com o assunto na sua mesa de cabeceira para ser a última coisa que vê antes de apagar a luz.”
No entanto, apesar de esta técnica funcionar “bastante melhor do que o acaso”, a Dr. Barret advertiu que isso pode não significar que tenha sucesso sempre que tentar.