Açorianos em missão científica no Polo Norte
As alterações climáticas são hoje um facto adquirido, pese embora algumas dúvidas sobre as razões que as originam. Irão constituir, cada vez mais, um fator de mudança com o qual as populações têm de lidar de forma esclarecida.
A figura do Professor da Universidade dos Açores, Eduardo Brito de Azevedo, é incontornável quando se fala de clima e de alterações climáticas. Portador de um vasto currículo científico, que passa pela chefia de diferentes projetos de investigação, participações em fóruns internacionais e inúmeras publicações em revistas científicas da especialidade, Brito de Azevedo tem hoje múltiplas colaborações com os mais prestigiados centros climatológicos internacionais, de que relevamos, entre projetos diversos, redes e iniciativas científicas que desenvolve ou em que participa, um laboratório localizado na ilha açoriana Graciosa, dedicado ao estudo das alterações climáticas à escala planetária, a Eastern North Atlantic (ENA), Graciosa Island ARM Facility, do programa ARM do Departamento de energia dos Estados Unidos da América. Esta infraestrutura, operacionalizada através do Los Álamos Nacional Laboratory, é gerida localmente pelo Grupo de Estudos do Clima da Universidade dos Açores.
Açorianos presentes em missão científica na calote gelada do Polo Norte
A plataforma tecnológica no meio do Atlântico, na ilha Graciosa, serve também de apoio logístico no domínio do esforço científico do programa, projetando parte do apoio técnico especializado no que toca às estações do ARM dispersas pelo mundo, as ARM Mobile Facilities, como acontece presentemente com o destacamento de técnicos açorianos formados e oriundos da estação ENA, coordenada por Brito de Azevedo, na expedição MOSAIC, em curso na calote gelada do Polo Norte com a mais recente tecnologia de monitorização climática e parametrização física. É a partir deste laboratório (da Eastern North Atlantic, Graciosa Island ARM Facility), equipado com a mais recente tecnologia de monitorização climática e parametrização física da camada limite planetária marinha, que decorrem os mais atualizados estudos sobre o comportamento dos mecanismos de geração das nuvens no Atlântico em resposta à alteração da composição do aerossol atmosférico, bem como a sua interferência no balanço energético planetário. É sobretudo deste mecanismo, ainda mal conhecido, e mal parametrizado nos modelos atmosféricos, que resultará grande parte da capacidade do sistema climático reagir e atenuar os efeitos da alteração climática planetária.
Brito de Azevedo explica-nos que “o clima da Terra é inerentemente variável e tem mudado por razões naturais ao longo de toda a sua história geológica. Os ciclos de Milankovitch – que se completam em milhares de anos e que têm a ver com a forma da órbita e orientação do eixo da Terra, com implicações na forma como o planeta se expõe e posiciona em relação ao Sol – a atividade solar, as erupções vulcânicas, as correntes oceânicas e os ciclos biológicos foram e são fatores determinantes da evolução do clima terrestre. Em algumas circunstâncias, releva o cientista, cataclismos de grande dimensão alteram bruscamente o clima terrestre, como por exemplo o arrefecimento brusco do hemisfério norte atribuído à interrupção da corrente termoalina (movimento das águas oceânicas por todos os hemisférios, responsável pelo aquecimento e resfriamento de certas regiões) no Atlântico aquando do colapso e descarga do grande lago glacial Agassiz que existiria na região que corresponde hoje aos Grandes Lagos, no Continente Americano.”
É mais recente outro exemplo a que Brito de Azevedo alude, “o da erupção do vulcão Pinatubo que, por efeito das cinzas emitidas para a estratosfera, interferiu no balanço energético do planeta conduzindo a um ligeiro arrefecimento global. No entanto, o que é incontestável é estarmos num período de aquecimento planetário – já os houve de arrefecimento – e que os ciclos de aquecimento/arrefecimento, se exceptuarmos os devidos a cataclismos fortuitos, estão sempre em fase com o aumento da concentração dos gases com efeito de estufa, designadamente com as concentrações de dióxido de carbono na atmosfera”.
Para o cientista açoriano, “outra circunstância incontornável é o facto de a humanidade estar a recorrer intensivamente, desde há mais de 100 anos, às reservas fósseis de carbono que, de outra forma, estariam retidas por muitos milhões de anos nas estruturas geológicas. Assim, através da sua queima, estão a ser injectadas directamente na atmosfera quantidades de gases com efeito de estufa superiores àquelas que os processos naturais podem retirar. Em sentido contrário, temos a alteração do uso do solo que deriva do aumento da população do globo, mas também de opções erradas de ocupação do território, a poluição atmosférica de origem antropogénica (causada por ação humana), a interferência no ciclo hidrológico e a desflorestação, factores que, para além de contribuírem para o aumento do efeito de estufa, conduzem à redução dos “sumidouros” naturais de carbono.
Com este cenário, não vejo como se pode negar a responsabilidade do homem na intensificação recente do aquecimento global e, consequentemente, na alteração climática que daí deriva. “ – aponta o cientista.
“Todas as ilhas comungam de uma limitada capacidade de adaptação face às vicissitudes do clima, aos fenómenos climáticos extremos, bem como à subida do nível do mar.”
A terminar, pedimos ao climatólogo açoriano para especificar sobre a exposição das ilhas às alterações climáticas que condicionam altamente a vida do ilhéu, sobretudo durante a estação do inverno. É demais sabido que os açorianos e os madeirenses enfrentam por diversas vezes tempestades atlânticas penosas, porque demolidoras, como a ocorrida recentemente que, entre outros prejuízos, causou a destruição total do porto de mar das Flores, deixando esta ilha açoriana, a mais ocidental do arquipélago e da Europa, com graves problemas de abastecimento à população.
Brito de Azevedo consente que “as ilhas, muito embora com características geomorfológicas e enquadramentos climáticos distintos, apresentam-se como dos territórios mais vulneráveis à alteração climática atendendo à sua dramática dependência de recurso ou de sectores decorrentes do clima, como o caso dos recursos hídricos, a produção alimentar, os transportes, etc. Por outro lado, devido à exiguidade ou particularidades territoriais, todas as ilhas comungam de uma limitada capacidade de adaptação face às vicissitudes do clima, aos fenómenos climáticos extremos, bem como à subida do nível do mar.
A este enquadramento não fogem as ilhas dos Açores, longe, porém, de situações dramáticas que se vivem noutras realidades insulares como acontece actualmente em algumas ilhas do Pacífico. No entanto, pese embora algumas circunstâncias que atenuam a amplitude da alteração expectável para determinados indicadores climáticos, quando comparados com outras zonas do globo, como no caso da temperatura, não devem ser confundidos ou minimizados os impactes resultantes da alta dependência e vulnerabilidade que estas regiões apresentam face ao seu clima e à sua evolução futura” – considera o cientista que continuamente adverte que “devemos estar particularmente preparados para as implicações resultantes de três domínios da alteração climática: a alteração do regime hidrológico por via conjugada da irregularidade da precipitação e da sua concentração em fenómenos de maior intensidade alternando com períodos de seca mais prolongados; o aumento da ocorrência de fenómenos extremos associados à actividade ciclónica de origem tropical (furacões e tempestades tropicais), resultante do incremento da temperatura superficial do mar alimentada por uma maior reserva de energia em profundidade, mas também o prolongamento do seu trajecto no Atlântico proporcionado pelo recuo a norte do bloqueio da frente polar; e, naturalmente, a subida do nível do mar.” – conclui.
Perante a perplexidade da saída de Trump do Acordo de Paris e da decorrência de uma campanha feroz de descredibilização de Greta Thunberg – desse apelo gigante desta menina sueca para que a humanidade desperte para a necessidade de um melhor tratamento do planeta – o climatólogo Professor Eduardo Brito de Azevedo, põe o dedo na ferida, como autoridade que é na matéria, no propósito de alertar consciências de céticos e de acomodados que persistem em não querer ver uma atmosfera cada vez mais suja e cansada de tanta apatia e irresponsabilidade.