PETER FLEISCHMAN
Heilbronn, Alemanha, 1991
De imperial em cima da mesa e telefone ao ouvido, Peter espera-nos no quiosque do Príncipe Real com pontualidade alemã. Vive aqui ao lado, veio mais cedo e a cerveja já vai quase no fim. “Vamos para o jardim, que está mais calmo?”, pergunta. E levantamo-nos. Escolhe ele o banco onde nos sentamos, descalça as sandálias, cruza uma perna e, de sorriso terno e constante, solta um let’s do it! – porque, no fundo, é só preciso surfar a onda.
“Eu não fazia ideia nenhuma do que era Portugal, sabes? Era um daqueles casos em que conhecia o Cristiano Ronaldo, mas sabia lá o que era Lisboa”, e ri-se, culpado de sentença cumprida. A história tem uns cinco anos, mas parecem muitos mais. “Um dos meus melhores amigos vinha cá surfar várias vezes e não parava de nos dizer como Portugal era tão especial, como tínhamos todos de cá vir”. Como não teve outro remédio se não obedecer, começou por cumprir e promessa em Faro e nem precisou de subir a Lisboa para saber que era mesmo isto que faltava. “Lembro-me perfeitamente de estar sentado na praia, a beber um café e a comer o meu primeiro pastel de nata, e de olhar para as ondas e pensar oh my god, this is f****** beautiful”.
Veio, então, de Erasmus, uns anos depois. Mas seis meses não chegaram e, no fim da licenciatura em Finanças, o round 2 foi o mestrado. “Quando voltei para a Alemanha, tinha tantas saudades de Lisboa que acabei por pesquisar universidades em Portugal no Google. Fui aceite no ISCTE, em Marketing, e, em 2016, já cá estava outra vez”. Ao mestrado, juntou um primeiro trabalho na Indie Campers, mas uma oferta de emprego irrecusável num projecto da Mercedes em Stuttgart, perto da sua cidade natal, fê-lo deixar os planos a meio.
Porém, pela segunda vez, Lisboa falou mais alto – ou talvez até nem precise de gritar, porque o segredo é falar baixinho e ao coração. “Levantava-me todos os dias às sete da manhã para ir trabalhar, e tinha um suposto emprego de sonho, mas às vezes dava por mim, antes de sair de casa, a pesquisar ondas em Portugal através das beachcams – as câmaras na praia que transmitem o estado do mar em direto. E para mim foi tão óbvio que tinha de voltar que, seis meses depois, voltei, e aqui estou eu!”.

Agora, as ondas já não ficam só no ecrã do computador. Ao volante da van que já comprou cá, carrega no acelerador e, em pouco tempo, está no Guincho – ou em Peniche, ou na Nazaré, ou onde ele quiser desde que as ondas estejam lá. Começou a surfar em Portugal, quando cá chegou pela primeira vez, e a ligação ao nosso mar é ainda mais forte por isso. “Não me vejo a sair de Portugal nos próximos cinco anos, e, se as coisas correrem bem, talvez até fique para sempre. Tenho aqui bons amigos e a praia quase em frente a casa, as pessoas são maravilhosas, o dia a dia não é tão stressante como na Alemanha… Até as minhas tatuagens foram feitas aqui”, e mostra, com orgulho, o braço direito, e o sorriso sempre lá. “Esta, porque gosto de viajar. Esta, porque sou metade alemão, metade romeno. Esta, só porque sim (ri-se), porque um amigo de Peniche é artista e quis fazer uma tatuagem com ele. E, esta, por causa da estação de metro da Avenida de Roma. Já viste os azulejos de lá? São incríveis!”.
Há coisas que não se explicam, e a saudade, tão presente ao longo desta conversa, é a maior delas todas. De cada vez que vai à Alemanha e os amigos lhe perguntam porque é que não vive lá, onde poderia juntar mais dinheiro e ter uma vida muito mais estável, a resposta é sempre a mesma: guys… saudadxe!, num sotaque ainda meio alemão que talvez um dia venha mesmo a desaparecer.