Breve história da maquilhagem

Breve história da maquilhagem

Os primórdios 

Se hoje em dia a maquilhagem está profundamente associada à cultura da beleza, nem sempre foi assim. No Antigo Egito, há cerca de cinco mil anos, data à qual remontam os primeiros registos da utilização de maquilhagem na História da Humanidade, homens e mulheres delineavam o contorno dos olhos com khol, obtido através de uma mistura de metal, chumbo, cobre, cinzas e amêndoas queimadas, para se protegerem dos insetos, do sol abrasador do deserto, do mau-olhado e dos espíritos malignos. 

Mas também para afirmarem uma posição de autoridade e soberania, numa autêntica “ritualização do poder”, segundo Paulo Morais Alexandre, especialista em História da Moda, da Escola Superior de Educação de Lisboa. Como o faraó era considerado Deus, estava instalado na parte mais importante do templo, a uma grande distância dos nobres e do povo, que conseguiam apenas vislumbrá-lo. O uso de maquilhagem permitia assim ler melhor as feições do rei-deus à distância, “numa lógica que, inclusive, se manteve até aos dias de hoje, no teatro e na ópera”. 

Tal como os egípcios, também os gregos eram adeptos da maquilhagem, bem como de perfumes e de produtos para proteger a pele, os dentes e o cabelo. Alexandre, o Grande, por exemplo, possuía provisões de açafrão, cujos pistilos, famosos pela intensa cor dourada, usava como amaciador para o cabelo. 

Os materiais utilizados nestes primeiros produtos, tanto no Egito como na Grécia e, mais tarde, em Roma, eram maioritariamente minerais misturados com substâncias que ajudavam a fixar a maquilhagem na cara, como a gordura animal. Atualmente, sabe-se ainda que o chumbo presente no khol, mesmo sendo prejudicial para a saúde a longo prazo, protegeu muitos egípcios de infeções bacterianas.  

Os romanos e os gregos, apesar de estarem perfeitamente cientes dos perigos do chumbo, usaram, ao longo de séculos, a cerusa, um pó de clareamento facial que era feito derramando vinagre sobre lascas de chumbo branco, para conseguirem obter uma pele muito branca, símbolo de riqueza e de pertença a um estrato social elevado. 

Escravos  da beleza? 

Se no Império Romano as pessoas se submetiam ao perigo de usar pó de chumbo, na Idade Média tornou-se popular o bloodletting, um método que consistia em causar o próprio sangramento para alcançar uma aparência mais pálida e jovem. 

A tendência da pele pálida encontrou o seu apogeu no século XVI, graças à rainha Isabel I de Inglaterra, que pintava a cara de um tom branco cadavérico para esconder as marcas deixadas pela varíola. Os cortesãos recorriam a chumbo, mercúrio e até sanguessugas (colocadas atrás das orelhas) para conseguirem ter a aparência pálida da soberana. 

Nos séculos XVII e XVIII, tornou-se popular o uso de cloreto de mercúrio para “apagar as sardas” e do chamado “ceruse veneziano”, um preparado obtido através da combinação de carbonato de chumbo com vinagre, capaz de cobrir as imperfeições cutâneas, mas que provocava queda de cabelo, problemas de estômago e tremores, num progressivo, e muitas vezes fatal, envenenamento. Por esta altura, na corte francesa, algumas mulheres estavam tão maquilhadas “que os maridos, ao longe, nem as reconheciam”, revela Paulo Morais Alexandre. 

No século XIX, durante o período vitoriano, no qual a maquilhagem era associada a prostitutas e atrizes, multiplicaram-se outros tipos de soluções perigosas para enaltecer certos traços do rosto. Por exemplo, começou a usar-se gotas de beladona, um veneno altamente letal que pode causar taquicardia, alucinações e cegueira, para ter pupilas mais dilatadas e olhos mais brilhantes, e popularizaram-se as pastas feitas com arsénio, cuja publicidade prometia “uma palidez mortal”. 

À mão de semear 

Mas foram o século XX e a ascensão meteórica da indústria cinematográfica que democratizaram o uso de maquilhagem. Em 1914, o maquilhador de cinema Max Factor criou uma base feita com graxa, que não secava e que foi amplamente usada por atores e atrizes, dentro e fora do grande ecrã, e começou a vendê-la ao público, para que “todos pudessem ficar parecidos com a sua estrela de cinema preferida”. 

Em 1915, T. L. Williams lançou o primeiro rímel, com uma fórmula inspirada na pasta de vaselina com pó de carvão que a irmã, Mabel, usava para aumentar as pestanas, dando início ao que viria a ser a empresa Maybelline. Surgiram os primeiros pós e blushes compactos, em caixas com espelho e aplicador, e democratizou-se o uso do batom encarnado, geralmente com cheiro a cereja. 

Nas décadas de 60 e 70 do século XX as opiniões dividiam-se entre as feministas, que recusavam o uso de maquilhagem, e as mulheres que a compravam cada vez mais facilmente, graças às revendedoras de marcas de cosmética, uma profissão criada originalmente pela Avon e que permitiu a muitas mulheres ganharem o seu próprio dinheiro nesta altura. 

Os anos 80 trouxeram as sombras coloridas, mas também o chamado “power suit look”, o qual, como aponta Paulo Morais Alexandre, era acompanhado de “uma maquilhagem sóbria, mas muito marcante”, usada pelas mulheres que haviam começado a ganhar poder e relevância dentro das empresas. 

Os anos 90 ditaram um regresso ao eyeliner carregado, numa estética “heroin chic” e, a partir da viragem do milénio, a tendência tem sido, cada vez mais, a de usar a maquilhagem como uma expressão exterior da unicidade de cada um. Do famoso countouring, imagem de marca de Kim Kardashian, à atualmente popular face jewellery, o efeito que se quer é teatral e criado para uma sociedade na qual as redes sociais transformaram o quotidiano num espetáculo que está em cena 24 sobre sete. 

Quem disse que era uma coisa de mulheres? 

Ao contrário do que muitos possam imaginar, a maquilhagem não costumava ser uma coisa só de mulheres. “Começa por ser algo que o homem usa para evidenciar o seu poder e para se afirmar enquanto líder”, revela Paulo Morais Alexandre.  

No Antigo Egito, a sombra verde servia para os nobres e os sacerdotes invocarem os deuses Hórus e Rá e o risco preto nos olhos era sinal de riqueza. No Império Romano, os homens não só clareavam a pele com pó branco mas também pintavam as unhas com banha de porco e sangue. Durante o reinado de Isabel I de Inglaterra, os cortesãos imitavam a rainha, maquilhando-se com uma enorme quantidade de pó na cara, e na corte de Luís XVI aplicavam sinais falsos de veludo, as moscas, para embelezar a face ou esconder cicatrizes e imperfeições. 

Foi a Revolução Industrial, no século XIX, que trouxe consigo a chamada “grande renúncia masculina”. “A nobreza estava arruinada e a maioria dos homens passou a estar demasiado preocupada em ganhar dinheiro, deixando de ter tempo para mundanidades como a maquilhagem. Nos 100 anos seguintes, os homens perderam também a cor na roupa”, explica Paulo Morais Alexandre.  

Nos anos 70 e 80 do século XX, a maquilhagem masculina teve um regresso breve, mas sobretudo associada a artistas e estrelas do rock, como Boy George, David Bowie ou Prince. 

O milenar cuidado masculino com a imagem só regressou em força com os metrossexuais dos anos 2000 e com o lançamento dos primeiros produtos de maquilhagem especificamente pensados para homens, como a “versão masculina” do concealer Touche Éclat, de Yves Saint Laurent, em 2008. 

Na década seguinte, a explosão das redes sociais permitiu que muitos homens, como James Charles, se afirmassem enquanto gurus e influenciadores no campo da maquilhagem, e que celebridades como Harry Styles cultivassem, entre as gerações mais novas, uma estética fluida em que a maquilhagem para homens é cada vez mais banal e uma indústria em crescimento. 

Como resume Paulo Alexandre Alves, trata-se de construir uma imagem. “Há uns anos, essa construção estava reservada ao palco, agora é para as aulas, para a vida. Mais do que integrar um rebanho, as pessoas querem exprimir a sua individualidade e fazem-no também através da maquilhagem.” 

Durante séculos, a maquilhagem era usada por homens, como afirmação de poder. No Império Romano os homens pintavam as unhas com banha de porco e sangue.

Artigo publicado originalmente na PRIMA 19.

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