Todos já sentimos aquele arrepio, a sensação de formigueiro no estômago e a impressão de ser guiado por uma força invisível e render-se ao apelo de quem não se conhece mas se quer conhecer. Ou então, ceder ao impulso de mergulhar de cabeça e ir ao encontro da pessoa que parece ter um íman sem pensar no que se segue.
Este efeito magnético, corpo a corpo, poderá não ser tão eletrizante nas plataformas digitais de encontros. Porém, se uma pessoa deixar expetativas de lado e usar um pouco do seu tempo para fazer um passeio nos parques virtuais que escolher – ou então, ao acaso – pode, eventualmente, ser brindado com perfis que se afiguram promissores e prontos-a-descobrir.
Diante de uma imagem que cativa sem que se perceba ao certo o que prende a atenção, as pupilas dilatam, os sentidos ficam aguçados e, em frações de segundo, o “qualquer coisa que dá pica” leva ao toque no ecrã, na esperança de um ‘match’. A acontecer, ele funciona como acendalha (não por acaso, Tinder significa “inflamável”): a intensidade do impacto causado nos circuitos cerebrais vai determinar se vale a pena arriscar, sair da zona de conforto, em palavras e atos e rumar ao território apetecido, sem precisar de seguro ou a de assistência em viagem. Diz-se que isto é amor à primeira vista mas… existe mesmo?
A lei do desejo
Há algumas décadas que os estudos desenhados para medir o impacto fisiológico das interações humanas permitem afirmar que as hormonas são o combustível da atração. Através do uso de ressonâncias magnéticas, foi possível apurar que, em todos estes casos, eram ativadas as mesmas regiões cerebrais: os centros da recompensa.
A antropóloga americana Helen Fisher, pioneira no estudo dos mecanismos biológicos envolvidos na escolha de parceiros sexuais, na paixão e nos relacionamentos longos, conseguiu demonstrar que o cérebro de quem se sente irremediavelmente atraído por alguém tem algo em comum com o dos consumidores de drogas, de jogadores compulsivos ou que sofrem de outras adições: a sensação de gratificação fazia-se acompanhar da libertação de um neurotransmissor, a dopamina, no centro da recompensa, levando ao reforço do comportamento que produzia esse efeito.
Esta substância, que pertence à família das catecolaminas, conduz ao aumento da pressão sistólica e da pulsação e tem uma ação decisiva nas funções motoras e cognitivas, como o movimento (e motilidade intestinal), a atenção e a motivação. Reconhecida no final dos anos 1950, pelos investigadores suecos Arvid Carlsson e Nils-Åke Hillarp, a dopamina tem sido encarada como a mãe de todos os vícios – que a sociedade atual promove – incluindo os ligados às redes sociais e de encontros.
A dopamina pode gerar estados de euforia e é a “madrinha” do amor à primeira vista, mas há outros convidados que se juntam à festa, no campo da atração. É o caso da ocitocina, hormona libertada após o parto e o ato sexual, associada à intensificação dos vínculos, e da serotonina; durante um estado de intenso desejo, os seus níveis descem, ao mesmo tempo que são libertadas hormonas do stresse (cortisol e afins).
Ter “as hormonas aos saltos”, expressão conotada com a adolescência, aplica-se também a uma atração inicial de que não se estava à espera e que está na base de alguns estados obsessivos (reza a lenda que a “vítima” é atingida no coração pela seta de um estranho anjo e fica assim). Geralmente, os outros não levam a coisa a peito, optando pelos comentários jocosos do tipo “não consegue pensar noutra coisa, até cansa!” ou “está completamente apanhado(a)” e, ainda, o clássico “vamos embora, que estes estão cegos pela paixão”.
Em síntese, sentir atração sexual e consumá-la, ou apaixonar-se – realidades distintas mas capazes de produzir um forte impacto fisiológico – induz um estado alterado de consciência que, por razões adaptativas, não pode durar para sempre (os estudos sugerem que, em média, dura cerca de ano e meio), em abono do equilíbrio biopsicossocial de cada um.
Mapas do amor
Há quase três décadas, fizeram furor as investigações sobre as feromonas, químicos presentes no odor corporal, sugerindo que a compatibilidade dos amantes assentava em fatores biológicos. A par destes estudos, fizeram-se inquéritos para apurar os possíveis fatores (faciais e corporais) que tornam uma pessoa atraente mas, lê-se num artigo publicado há uns anos no jornal britânico The Economist, ainda não se encontrou a fórmula para conseguir a proeza de gerar uma atração instantânea (à primeira vista) ou um estado passional,
Já sobre aquilo que nos leva a ficar inebriados por umas pessoas e não outras, é incontornável voltar a Helen Fisher. A veterana no estudo dos mecanismos biológicos presentes na atração sexual e na paixão sublinha que nem tudo se resume à química: boa parte das nossas escolhas, nem sempre conscientes, estão ancoradas naquilo que ela designou de “mapas do amor”.
Sentimos uma atração ou desejo inexplicável por determinada pessoa – até parece que a conhecemos já – ao reconhecer nela estímulos familiares, ou que evocam memórias emocionais. Ao conhecê-la melhor, podemos descobrir que ela tem traços de personalidade semelhantes aos de alguém significativo na nossa infância, cujos padrões de relacionamento aprendidos tendemos a reproduzir na vida adulta.
Num artigo recente, no jornal El Pais, a investigadora que foi consultora científica do Match Group (gigante tecnológico que agrega apps de encontros) e coordenou mega-estudos como o Singles in America, fornece algumas dicas para usar as apps de encontros a seu favor e sem perder o pé. Entre elas, ter critério nos “dates” (não mais do que cinco a nove), fazer pausas no uso destas apps se for preciso, investir na qualidade das (vídeo)conversas sem preocupar-se com os resultados e arriscar envolver-se, sem por muitas condições.
Da atração à interdependência
“O que existe é atração inicial, à primeira vista, determinada pelas hormonas e por fatores percetivos, como olhar para alguém e achar que tem valores ou sentimentos parecidos com os seus”, afirma o psicólogo social David Rodrigues, que se dedica ao estudo dos relacionamentos e da sexualidade, no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
Reconhecendo a diversidade da oferta no mundo das apps, o investigador reconhece que a desejada gratificação nem sempre está ao virar da esquina.
“Quando não sabem o que esperar dos outros nem as expetativas se cumprem, voltam-se para quem já conhecem”, esclarece, considerando que essa via “implica menos risco de rejeição e será menos frustrante, se a motivação for apostar num relacionamento.”
Em idades mais jovens, propícias à experimentação, “é expectável que se tenham vários contactos sexuais casuais, amizades coloridas e ‘fuck buddies’, movidos pela atração física e características pessoais”. Neste registo, “tem-se alguma intimidade afetiva, mas sem a expetativa de compromisso”.
Quando a vontade de conhecer melhor o outro aumenta e o desejo é correspondido, a atração inicial pode dar lugar a voos mais plenos, onde cabem a paixão e o romance: “Cria-se uma interdependência, cada um passa a fazer parte da vida do outro, embora seja natural que a faísca inicial diminua, por força das funcionalidades e das rotinas.”
O abecedário do amor
Uma investigação divulgada na revista Psychology Today desfez o mito do “amor à primeira vista”. A equipa da Universidade de Groningen estudou casais que partilharam a forma como se conheceram e verificou que, ao falarem disso, criam uma “ilusão positiva”, um viés de memória. Quando o foco da conversa recai no que de bom tem um relacionamento que se mantém, isso pode bastar para estimular, de novo, os circuitos cerebrais e promover a libertação de endorfinas, responsáveis pela sensação de bem-estar. Curiosamente, ligações satisfatórias e com alguma robustez – sexo, erotismo, intimidade e companheirismo – podem começar pela atração, assente na aparência e desenvolvem-se, depois, se os envolvidos escolherem trabalhar nessa construção.
“Somos feitos de muitas camadas, onde cabem o humor, a forma de lidar com os mais próximos e outras facetas que conduzem à paixão”, afirma a médica Mafalda Cruz, especialista em medicina sexual. Embora admita que “sentir atração por mais do que uma pessoa é uma tendência natural no ser humano”, adianta que “essa capacidade tende a ficar bloqueada quando se parte para um compromisso.”
Seja nas lides da atração, do desejo ou do amor, há que contar com o inesperado. Por exemplo, quando se recebe um diagnóstico e é preciso submeter-se a tratamentos invasivos, a aparência e a sexualidade não deixam de ser afetadas. A exercer funções na área da radioncologia, no IPO do Porto, Mafalda Cruz salienta que, ao passarem por um evento traumático, “as pessoas põem tudo em perspetiva e mudam a sua visão acerca daquilo que é importante.”
O pós-tratamento representa uma fase de adaptação e de autodescoberta. “Alguns despertam para outras formas de prazer sexual e intimidade; e podem mudar de direção e partir para novos relacionamentos”, conclui a clínica.
Por último, se der por si a alimentar a fantasia de ter um “amor à primeira vista”, ou ao primeiro match, conte com a possibilidade, altamente provável, de tal não vir a acontecer e, mais ainda, como imagina. Com algum foco, empenho e sorte, talvez venha a ter um encontro imediato. Ou mais, com ou sem uma impressão de conexão imediata e variados graus de química sexual.
No menu de degustação amorosa, em algum momento pode dar por si a querer passar da categoria das “entradas” e “petiscos” para a dos pratos. Os circuitos cerebrais agradecem. Afinal, há muitas maneiras de cozinhar o amor: à segunda vista, à terceira… tão bom como ir aos treinos.