O percurso de João Salaviza no cinema tem, claramente, duas fases distintas. A primeira corresponde às curtas e à primeira longa, Montanha, com retratos da Grande Lisboa, revelando um engajamento sociopolítico, que lhe valeram uma Palma de Ouro em Cannes (Arena) e um Urso de Ouro em Berlim (Rafa); a segunda é fruto do seu encontro com Renée Nader Messora e com os craós, povo indígena da Amazónia brasileira.
O primeiro fôlego da nova fase foi Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos e, agora, surge A Flor do Buriti. Não é uma sequela, mas uma sequência lógica. A linguagem mantém-se nos territórios de fronteira entre ficção e documentário, com uma participação ativa da comunidade na própria conceção do resultado final. É um filme de não atores.
Se em Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos já havia um subtexto político, na divulgação e defesa de outro estilo de vida, em A Flor do Buriti essa dimensão é reforçada, devido, em parte, ao contexto de opressão com que os craós lidaram durante a presidência de Bolsonaro, quando as instituições, que supostamente deveriam proteger os indígenas, foram entregues aos seus maiores inimigos.
Há, ao mesmo tempo, um historial desta luta do povo indígena pela sobrevivência e defesa da floresta, com a reconstituição de um massacre que ficou inscrito na memória coletiva dos craós. Os realizadores partem daí para a atualidade, passando pelos protestos em Brasília, mas também por simples ilustrações da mitologia e vivência dos povos. Fica clara a diferença de significados da “terra”: enquanto para os fazendeiros representa um enorme potencial de negócio, tendo em vista a multiplicação de lucros, para os craós ela é a própria vida.
Embora também tenha essa função, o filme é mais do que um panfleto. A construção narrativa é rica na forma livre como retrata e conta as histórias, os rituais e os mitos indígenas – e esteticamente é deslumbrante, pelo olhar dos realizadores e pela opção corajosa de filmar em película, o que permite uma fotografia com textura e lugar para todos os tons de verde.
A Flor de Buriti > De João Salaviza, Renée Nader Messora, com Francisco Hyjno Kraho, Ilda Patpro Kraho, Luzia Cruwakwyj Kraho > 123 min