“Parece impossível, Pina, está ali uma casa cheia de gente à espera.” A tarde vai longa, e o cenário é o Café Orfeuzinho, onde, ao redor das mesas, se trocam ideias, se dão a conhecer poemas ou se travam discussões políticas. Nesse dia, no Teatro Campo Alegre, a festa estava suspensa – faltava Manuel António Pina (MAP), o homenageado. Perante a indignação, Pina apenas disse: “Era hoje?”, uma frase típica dele. Germano Silva lembra-se de seguirem para o local, mas, ao estacionar, ouviram chamar: “Sr. Dr. Pina, não deixe o telemóvel no carro.” Às tantas, aparece um rapaz, conhecido de ambos como antigo tipógrafo do Jornal de Notícias, agora arrumador, com o destino forjado pela droga. “Fomos tratar de arranjar comida ao homem e faltámos à homenagem.” Evocar este episódio é o modo de Germano Silva mostrar duas facetas de Pina: a generosidade e a singularidade de quem chegava sempre atrasado e escolhia “perder-se” a seguir o destino.
A grande, e longa, amizade do escritor, poeta e jornalista Manuel António Pina (1943-2012), Prémio Camões em 2011 e homenageado na Feira do Livro do Porto deste ano, com o jornalista e historiador do Porto, Germano Silva, começa na década de 70 do século passado. “Convivemos mais de 40 anos, andávamos sempre um com o outro”, confidencia Germano. Partindo de vários materiais, como fotografias, dedicatórias, poemas em construção e até uma réplica da casa de Joana Rego, usada na capa do último livro de MAP, os curadores Jorge Sobrado e Rita Roque esboçam, na exposição Pina Germano, um roteiro desta fraterna ligação. “Contamos um pouco da vida a meias, entrelaçada com o Porto, que deu abrigo e solo fértil a esta amizade”, diz Jorge Sobrado.
No Gabinete Gráfico da Biblioteca Municipal Almeida Garrett, apresentam-se fragmentos e recordações de uma vida partilhada, feita de lutas conjuntas, nomeadamente no jornalismo, e também um conjunto de depoimentos de amigos comuns, como Arnaldo Saraiva e Álvaro Magalhães. Matéria fértil que permite navegar e compreender a amizade, e a figura da casa muito presente na poesia de MAP.
Biblioteca Municipal Almeida Garrett > R. de Dom Manuel II, Porto > T. 22 608 1000 > Até 14 jan, seg 14h-18h, ter-sáb 10h-18h > grátis