Há uma diferença entre assistir a uma conversa íntima e uma conversa intimista. Enquanto a primeira se limita a revelar algo privado da vida dos intervenientes, satisfazendo a curiosidade superficial e facilmente impressionável de quem ouve, a segunda constrói-se sobre uma série de inquietações profundas e nela se revela quem são as pessoas que temos à frente, mostrando-as, de uma forma digna, em toda a sua humanidade.
É precisamente isso que Charlotte Gainsbourg consegue oferecer em Jane por Charlotte. Mais do que um resumo cronológico da vida de Jane Birkin (1946-2023), o documentário é uma carta de amor, escrita a quatro mãos, na língua que Gainsbourg melhor fala: o cinema.
Após uma reserva inicial, partilhada por ambas, mãe e filha embarcam numa conversa franca, que poderia (deveria?) ser replicada por todas as mães e filhas, como forma de descobrir a pessoa que vive por detrás de cada um desses papéis.
É de uma beleza desarmante como certos temas são abordados, desde a morte da filha Kate ao casamento conturbado com John Barry, passando pela ansiedade, a dependência de calmantes, o álcool mas também as memórias de “12 anos muito, muito felizes” com Serge Gainsbourg, pai de Charlotte. Às perguntas da filha, Jane responde com mais perguntas, levando o espectador a refletir em temas que extrapolam o privado, o íntimo de uma família, por serem questões transversais a tantas outras.
Tal como muitas mulheres, Birkin confessa que não gostou de envelhecer. Olhava-se ao espelho e sentia que a alma não pertencia à imagem refletida. Há também o medo de não conseguir compreender os filhos, o desejo de ser vista para lá da beleza e as pequenas alegrias como ter um cão, passear no jardim de casa, beber um copo de vinho antes das seis da tarde, ou cozinhar com as netas. Um retrato intimista de tudo aquilo a que nos agarramos para, face à imagem que o mundo pinta de nós, nos assegurarmos de que permanecer humanos é fundamental.
Jane por Charlotte > De Charlotte Gainsbourg > 91 minutos