Num painel negro, uma série de 26 placas de esmalte pintado, do século XVI, oriunda do Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, e inspirada na arte de Albrecht Dürer, ocupa boa parte da parede da entrada. Serve como prólogo ao circuito expositivo acabado de inaugurar num Museu Nacional Soares dos Reis (MNSR) “totalmente renovado.”
Após quatro anos de obras, reabrem, finalmente, as 27 salas com uma “exposição de longa duração” que “levará o museu dos 190 aos 200 anos, a comemorar em 2033.” Para António Ponte, diretor do MNSR, é “interessante trazer a própria história do museu para o público através das coleções.”
De uma “prolongada reflexão interna” surgiu este novo percurso expositivo que vai além da mera sucessão de objetos e procura “apontar várias possibilidades de leitura.” Seja a partir de movimentos artísticos e artistas, seja em torno da própria narrativa da instituição. Esta última, bem retratada desde a sua fundação, em 1833, sob os auspícios de D. Pedro IV, até meados da década de 1970, quando, sob a direção de Fernando Pernes, ali surgiu o Centro de Arte Contemporânea, depois transferido para a Fundação de Serralves.
Com uma cenografia apoiada no contraste entre paredes brancas e algumas áreas negras, com nichos, a exposição ocupa dois pisos, num total de cerca de dois mil metros quadrados, com 1 133 peças, 230 das quais foram alvo de restauro. E, por opção de curadoria, sem recurso a ferramentas digitais. “Queremos gerar uma experiência de contacto direto com as obras de arte, sem ecrãs”, explica António Ponte.
A cada momento cruzam-se diferentes expressões, sem segmentar períodos ou artistas, coexistindo, na mesma sala, peças de escultura, pintura e desenho ou mobiliário e joalharia. O público que aqui veio nas outras vidas do museu irá encontrar um outro MNSR – familiar e, simultaneamente, desconhecido.
Neste que é o primeiro museu público de arte do País, criado 12 anos depois da abertura do Museu do Prado, em Madrid, e inspirado nos ideais do liberalismo, encontram-se agora peças que não eram expostas há décadas: uma escultura de Cristo crucificado de origem espanhola, do século XIII, um sarcófago romano, e obras mais contemporâneas, como uma pintura de Amadeo de Souza-Cardoso, cedida pelo Centro de Arte Moderna Gulbenkian, que inaugura um novo período de colaboração entre as duas instituições, ou os seixos pintados por Fernando Lanhas.
Viagens no tempo
Caminha-se por períodos determinantes na história da instituição, como, por exemplo, a ligação à Academia Portuense de Belas-Artes e a elevação à categoria de Museu Nacional, em 1932. Esse estatuto permitiu a entrada nas coleções de nomes sem ligação à cidade do Porto, como Columbano, Malhoa ou Sousa Pinto. Segue-se a mudança de edifício, para o Palácio das Carrancas, onde permanece até hoje, a chegada das coleções do Museu Municipal do Porto, ali em depósito, e, mais tarde, a entrada em cena, nos anos 50, do escultor Salvador Barata Feyo, como diretor – com ele, atualizam-se os núcleos de escultura e pintura, com atenção aos modernistas portugueses.
A viagem nestas salas faz-se num cruzamento de épocas e correntes artísticas, com destaque para o romantismo e o naturalismo, bem representado numa área dedicada a Marques de Oliveira, Silva Porto e Henrique Pousão, onde se destacam a coleção de tábuas pintadas em viagens e a obra As Casas Brancas de Capri, de 1882, classificada como tesouro nacional. Para um olhar mais atento e demorado sobre as obras estão disponíveis banquinhos portáteis.
Além das relíquias do MNSR, há lugar para novidades, como o busto de Luís de Camões e o caderno de viagens e anotações de Soares dos Reis, com 27 desenhos originais, ambos adquiridos pelos Amigos do MNSR – Círculo Dr. José de Figueiredo. Acomodam-se na gigante galeria ocupada por obras de António Soares dos Reis, patrono do museu, com esculturas como O Desterrado ou o Busto da Inglesa, Mrs. Leech, além de peças dos seus discípulos, como Teixeira Lopes. Entra-se no século XX nas salas dedicadas às obras de Aurélia de Souza, António Carneiro e Artur Loureiro, que partilhavam o gosto pela paisagem ou a sedução do rio Douro.
Um passo mais à frente está a transição para o modernismo com trabalhos de, entre outros, Ângelo de Sousa, Dordio Gomes, Fernando Lanhas, Jorge Pinheiro e Sarah Affonso. A fechar as viagens no primeiro piso vê-se, pela primeira vez, Carnaval, uma grande tela de Cândido Portinari, salva de um incêndio na Rádio Tupi, no Rio de Janeiro.
No andar superior, antigo piso nobre que conserva parte do belíssimo interior neoclássico, estão as coleções de artes decorativas, joalharia e ourivesaria (que ali chegaram nos anos 40 e 50 do século passado). Além de quadros portugueses do século XVI, de influência flamenga, em diálogo com o núcleo de peças orientais, como o par de biombos Namban, que alargou o olhar do MNSR sobre as suas coleções.
O renovado museu precisa de tempo para ser apreciado. Por isso, o diretor recomenda uma primeira visita para uma perspetiva global, e, depois, a escolha de segmentos para ver “de forma mais detalhada.”
Museu Nacional Soares dos Reis > R. D. Manuel II, 44, Porto > T. 22 339 3770 > ter-dom, 10h-18h > €5