O cenário familiar, recatado e intimista, a lembrar uma casa senhorial do século XIX, montado logo a seguir à apresentação duma linha temporal que enquadra a época e o contexto destas obras, não é irrelevante. Aurélia de Souza, autora do célebre Auto-Retrato com Casaco Vermelho e um grande nome da arte portuguesa de finais do século XIX, revela-se como nunca antes nesta nova exposição no Museu Nacional Soares dos Reis.
Evocativa do centenário da morte da artista, Vida e Segredo. Aurélia de Souza 1866-1922, comissariada por Maria João Lello Ortigão de Oliveira, está dividida em quatro núcleos – Vidas, Espaços, Temas e Cores –, em que se revelam episódios da vida desta “mulher feminista radical”, que teve cinco irmãs, nunca casou nem teve filhos. Nesta “visão pessoal”, a partir da obra, a comissária tenta “entender um bocadinho daquela personalidade tão esquiva, discreta e secreta”, que pintou “o que quis” – “e, se não foi mais ousada, é porque não estava para isso”, sublinha.
São diversos os detalhes que tornam Aurélia de Souza – nascida em Valparaíso, no Chile, em 1866, e radicada no Porto desde os 3 anos (passaria ainda por Paris, onde estudou na Academia Julian) – uma figura singular. Os primeiros retratos eram de familiares e amigos, mas também de gente simples e humilde, pintados com o mesmo “cuidado e talento”. Seguem-se os lugares de intimidade, onde passa grande parte dos seus dias, como os ateliers, a casa, os jardins e a vista da Quinta da China, debruçada sobre o rio Douro.
É, aliás, em torno deste lugar, principal morada da pintora até ao fim da vida, aos 55 anos, que quase tudo gravita. O terceiro núcleo, Temas, destaca a largueza dos seus interesses, algo invulgar entre as mulheres da época, mais focadas em retratos e naturezas-mortas, enquanto Aurélia pinta paisagens, às vezes estranhas, desenha e tem obras de inspiração religiosa. Por último, Cores agrega os autorretratos, algumas das suas obras mais conhecidas, registando, no modo como se via, a passagem do tempo.
Vida e Segredo. Aurélia de Souza 1866-1922 > Museu Nacional Soares do Reis, R. de Dom Manuel II, 44, Porto > T. 22 339 3770 > até 21 mai > ter-dom 10h-18h > €3 (dom 10h-14h grátis)