1. “O Coração de Um Pugilista”, Teatro Aberto, Lisboa
Não é um espetáculo sobre boxe, mas é um espetáculo “sobre o boxe da vida”. As palavras são de Miguel Guilherme, o ator que faz de Leo, homem na casa dos 70 anos que vive num lar de idosos. O Coração de um Pugilista, da autoria do dramaturgo alemão Lutz Hübner, e levado agora palco por João Lourenço no Teatro Aberto, fala-nos sobre o encontro entre um homem cuja vida já lhe passou toda à frente e um outro a quem a vida está por acontecer. Ambos têm a aprender um com o outro.
“Surpreendeu-me bastante a maneira como Hübner escreve, como trata esta relação entre um homem muito mais velho e um miúdo”, explica Miguel Guilherme. “São dois candidatos a marginais, ambos com vidas bastante duras.” O homem reformado libertou-se do abismo da marginalidade através do boxe, agarrando-se aos valores associados à prática deste desporto de luta. “O miúdo acaba por aprender com o velho alguns valores de liberdade individual que ele tinha muito bem presentes na cabeça.”
Já o miúdo, Jojó (interpretado por Gonçalo Almeida), retribui com a sua jovialidade. “O jovem traz novo alento ao velho, numa conversa que ele já não tinha há muito tempo com alguém. Isso, no fundo, serve para Leo voltar a acreditar que pode sair dali.” A vitalidade do primeiro ajuda a baralhar os estigmas associados à idade, lembrando-nos de que ela pode ser apenas um número.
No início da peça, vemos Jojó, 16 anos, a entrar em cena munido de um plástico, tinta branca e pincéis. Vem pintar o quarto do lar, ordens do tribunal, que decidiu castigá-lo com horas de trabalho em prol da comunidade. “– Ouve lá, colega, podes passar-me aí essa lata? Um homem da minha idade não gosta de subir duas vezes uma escada”, diz Jojó, depois de fazer saber que se está a marimbar para aquela tarefa. Leo levanta-se, Jojó estende a mão, mas Leo despeja-lhe a lata de tinta em cima dos pés… Um princípio de conversa. Teatro Aberto > Pç. de Espanha, Lisboa > T. 21 388 0089 > até 30 dez, qua-qui 19h, sex-sáb 21h30, dom 16h > €17
2. “Terreno Selvagem 2”, Teatro São Luiz, Lisboa
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“Não é bem uma história. São quadros que apanham cenas do dia a dia, da rotina”, explica Miguel Castro Caldas. “O Pedro Gil e a Raquel Castro tinham vontade de fazer um espetáculo a partir da experiência de serem pai e mãe.” Mas, clarifica, “é um espetáculo de ficção, que não está preso à autobiografia.”
A primeira peça (estreada em 2016, no D. Maria II) falava sobre a experiência de um casal ter uma filha de 5 anos. Agora, em Terreno Selvagem 2, no palco do São Luiz, têm uma filha entre os 8 e os 10 anos, que está a aprender a ler – e o mundo exterior começa a entrar para dentro de casa, através da escola e dos amigos.
Os atores representam o pai e a mãe, mas também a filha e outras personagens que aparecem em casa. São abordados assuntos como a escola, a educação, o casamento, os medos. Castro Caldas esclarece: “O espetáculo tem a posição de dizer que as coisas, por vezes, são mais complexas do que parecem.” São Luiz Teatro Municipal > R. António Maria Cardoso, 38, Lisboa > T. 21 325 7640 > até 13 nov, qua-sáb 19h30, dom 16h > €12
3. “Para que os Ventos se Levantem: Uma Oresteia”, Teatro Nacional São João, Porto
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No âmbito da Temporada Cruzada Portugal-França, o Teatro Nacional São João une forças com o Théâtre National de Bordeaux en Aquitaine, e os respetivos diretores artísticos, Nuno Cardoso e Catherine Marnas, assinam uma encenação a quatro mãos e em duas línguas. “Pensei que seria interessante revisitar Oresteia, sobretudo pelo extremar político a que se assiste, a desinformação, a ascensão da extrema-direita, a cultura de cancelamento, a maneira como as pessoas se isolavam nas suas caixas de ressonância próprias e se fechavam aos outros, numa espécie de reviver digital da lei de talião”, conta Cardoso, que há 20 anos já tinha dirigido uma encenação desta tragédia grega do século V a.C..
A contribuir com um “olhar diferente, descentrado, não europeu” de um texto que faz o elogio da democracia ateniense, berço das sociedades europeias, surgiu Gurshad Shaheman, franco-iraniano que sentiu na pele a perseguição, pela suas opções políticas e pela sua sexualidade. Na adaptação da tragédia, apesar de manter as personagens e a estrutura narrativa, o dramaturgo opta por valorizar outras figuras e coloca os problemas da justiça, da culpa e da expiação no nosso tempo. As questões feministas e ecologistas ganham eco, assim como o pacifismo, num cenário dominado pelo populismo emergente.
Para Nuno Cardoso, “o espetáculo é um manifesto de diálogo numa altura de radicalização dos discursos; não se pode ter um elenco e uma equipa como esta sem que haja diferenças e se procure encontrar um consenso para contar a história”. Haverá melhor afirmação do ideário democrático? J.L. Teatro Nacional São João > Pç. da Batalha, Porto > T. 22 340 1910 > até 6 nov, qua, qui, sáb 19h, sex 21h, dom 16h > €12 a €24
4. “Do Deslumbramento”, Teatro Meridional, Lisboa
“Se repetirmos muitas vezes uma mesma memória, até parece que a conseguimos modificar.” Miguel Seabra está de regresso à encenação, com a história de um homem que acorda e se apercebe de que está a viver numa memória. Da autoria de Ana Lázaro, este texto em camadas – interpretado pelo próprio Miguel Seabra, por Bárbara Branco e Nuno Nunes – trabalha não apenas a elasticidade do tempo e do espaço mas também a ideia de metateatro, ao conceber que esse homem que acorda é um ator, e que acorda em palco. “Como um trapezista que avança sem medo em cima da corda, todas as noites voltamos para cena com as cicatrizes antigas.” Apenas aquando do momento da queda é que este homem se permite reviver vezes sem conta a memória da qual não quer sair. Teatro Meridional > R. do Açúcar, 64, Lisboa > T. 91 999 1213 > Até 3 dez, qua-sáb 21h, dom 16h > €10
5. “Quiz”, Teatro Maria Matos, Lisboa
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“Isto não é um espetáculo. Isto não é um julgamento. E a vida de três pessoas está nas vossas mãos”, ouve-se no início desta peça. E entram dois advogados, de toga dobrada num braço arrastando um trolley de executivo. No centro do palco está um pórtico em linhas retas, imponente, repleto de luzes a piscar. De cada lado, e mais ao alto, dois ecrãs têm escrita a palavra “Quiz”. Ao público, quando se senta, é-lhe dado um pequeno dispositivo para votar. Irá fazê-lo duas vezes.
Quiz é um espetáculo da autoria do dramaturgo britânico James Graham e o sucesso da peça no West End londrino levou a uma digressão pelo Reino Unido e pela Irlanda (e deu origem a uma série com realização de Stephen Frears). A sua história é baseada num acontecimento real: um concorrente do concurso televisivo Quem Quer Ser Milionário?, Charles Ingram, major do exército britânico, venceu o prémio mais alto, de um milhão de libras, mas tornou-se imediatamente suspeito de fraude e acabou como réu na barra de um tribunal. Ficou conhecido como “coughing major”, “major da tosse”, porque a desconfiança recaía precisamente na possibilidade de ter aliados no público a fazerem-lhe sinais através dos diferentes sons de tosse que emitiam.
“A peça não é tanto sobre se eles são culpados ou inocentes, se a Justiça agiu bem ou mal; é sobre a manipulação da verdade”, diz-nos o encenador, António Pires. O dispositivo do teatro ajuda a esse objetivo: há cenas repetidas, que ganham novas camadas de significação, misturam-se excertos de audiências em tribunal com bocados do concurso a ser gravado em estúdio, através de analepses e prolepses; contextualiza-se tudo com o boom dos reality shows na viragem do milénio. “As pessoas acham que no Big Brother aquilo é a verdade, mas não é; antes de o programa ser emitido tudo é editado, cortado”, exemplifica António Pires. “Aqui, na peça, estamos a mostrar os truques. E se as pessoas pensarem um bocadinho, percebem como se montam estas elipses.” Teatro Maria Matos > Av. Frei Miguel Contreiras, 52, Lisboa > T. 21 362 1648 > até 20 nov, qui-sáb 21h, dom 17h > €10-€20
6. “O Medo Devora a Alma”, Teatro Municipal Joaquim Benite, Almada
Uma adaptação para palco do filme O Medo Come a Alma, de Rainer Werner Fassbinder, que, por sua vez, foi já um remake de O que o Céu Permite, de Douglas Sirk, mas sem dourar a pílula. Esta é a história de uma mulher septuagenária que se apaixona por um homem muito mais novo e muçulmano.
O encenador luso-angolano Rogério de Carvalho regressa, assim, a Fassbinder; Teresa Gafeira e Cláudio da Silva interpretam o par romântico que chega a casar-se, fazendo frente à solidão que dominava as suas vidas. O problema é que a sociedade não vê com bons olhos esta união, e o casal começa a sentir o preconceito de amigos e familiares. Na Alemanha dos anos 80, esta diferença de idades – e a mistura de cores da pele – é encarada como um escândalo, e o casal terá de encontrar forças adicionais para fazer com que o seu amor sobreviva. Teatro Municipal Joaquim Benite > Av. Prof. Egas Moniz, Almada > T. 21 273 9360 > até 27 nov, qui-sáb 21h, qua e dom 16h > €5-€10