Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Basta dizer que o filme foi rodado anos antes do início da guerra na Ucrânia (embora o conflito no Donbass já existisse) e a ação decorre quase há oito décadas. Mas fica a ideia de que todas as guerras provocam situações extremas e uma reorganização social num contexto dado a excessos e à falência moral, sobretudo em territórios ocupados ou reconquistados, em que o inimigo pode ser o vizinho do lado ou o colega de escola.
Luz Natural, filme de estreia do húngaro Dénes Nagy, que ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim, em 2021, passa-se na Segunda Guerra Mundial e tem a coragem de expor feridas abertas da Hungria. O país, ocupado pelos nazis, ajudou a Alemanha no combate à União Soviética. Semetka, um camponês transformado em comandante de um batalhão, tem a missão de patrulhar o terreno em busca de bolsas de partisans, que apoiam a resistência.
Mais do que uma guerra de tiros e canhões ou um posicionamento ideológico, o filme mostra a falência ética do homem em situações extremas. Esses soldados tornam-se os mais temerosos inimigos do seu próprio povo. Semetka, com o olhar vago, perdido no cumprimento de um dever, é uma luz vaga de humanidade no meio de um caos moral. A sua aparente apatia é uma autodefesa que não evita o descalabro.
Partindo de um romance de Pál Závada, escritor ainda não traduzido para português (nem para inglês), o filme é também um objeto estético deslumbrante. Parece clara a inspiração no grande mestre do cinema húngaro Bela Tárr. Aliás, o próprio título do filme põe em evidência a linguagem estética em detrimento da narrativa. Há um cuidado extremo com a luz, captando a beleza natural da floresta, quase como se se tratasse de um quadro do romantismo, um movimento contemplativo de quem procura a poesia no meio do caos.
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Luz Natural > De Dénes Nagy, com Ferenc Szabó, László Bajkó, Tamás Garbacz, Gyula Franczia > 104 min