Os procedimentos de segurança são apertados. Primeiro, é preciso passar os pertences pelo raio X, atravessar os pórticos de deteção de metais e só depois comprar o bilhete, cujo QR code se passa pelo dispositivo que dá luz verde para avançar pela porta giratória, que dá passagem para os elevadores de acesso. Estamos já com um pé dentro do novo Museu do Tesouro Real – a casa das joias da coroa, das coleções privadas de ourivesaria e joalharia de D. Fernando II e D. Luís I e de outras peças de valor incalculável –, que abre ao público nesta quinta, 2, na também nova ala poente do Palácio da Ajuda.
Chegados ao terceiro piso, encontra-se, ao centro, a caixa-forte, uma estrutura dourada com 40 metros de comprimento, dez de largura e dez de altura, feita de espuma de alumínio e retroiluminada, visível de noite, do exterior do museu, virado à Calçada da Ajuda.
A designação caixa-forte não foi escolhida ao acaso: “foi a solução encontrada” pelo arquiteto e diretor-geral da Direção-Geral do Património Cultural, João Carlos dos Santos, “e cumpre os requisitos de segurança pretendidos para uma exposição desta natureza – e também para as peças em reserva”. O palácio que chegou ao século XXI estava inacabado, houve várias tentativas para o concluir a partir de projetos de arquitetos como Raul Lino ou Gonçalo Byrne, mas, à data, eram demasiado ambiciosos e sem função definida, acabando por não sair do papel. Só em 2016 começou a desenhar-se esta obra. É a primeira vez que se mostram estas peças juntas e de forma permanente. São cerca de 900, entre ouro e diamantes, moedas, joias, insígnias régias, pratas de aparato, muitas nunca antes vistas pelo público, principalmente por razões de segurança. “Com o projeto do arquiteto João Carlos Santos, ou seja, a construção da ala poente e a consequente conclusão do Palácio Nacional da Ajuda, foram criadas essas condições”, explica José Alberto Ribeiro, diretor do museu.
Em 1954, numa pequena casa-forte no Palácio Nacional da Ajuda, mediante autorização, mostraram-se algumas peças, e, em 1991, cerca de metade do acervo aqui exposto fez parte da exposição Tesouros Reais, levada à Bélgica para o festival cultural Europália, e depois patente em Portugal. “Nessa altura, deram-se a conhecer muitas joias do Tesouro Real que começaram a circular internacionalmente, do Japão à Europa, até ao roubo em Haia, em 2002. Esse episódio está documentado no museu”, diz José Alberto Ribeiro, que, enquanto diretor, exclui qualquer empréstimo das peças. O roubo dessas seis peças de excelência, entre as quais o maior diamante da coleção, deixou o tesouro mais pobre, mas não muito, como se confirma no museu.
Ouro e diamantes do Brasil
A exposição está dividida em 11 núcleos e três níveis expositivos, que se percorrem dentro da tal caixa-forte (atenção, quem sair não pode voltar a entrar), desenhada sem vãos e com iluminação de baixa intensidade, ambiente ideal para fazer sobressair o brilho e toda a exuberância dos objetos cravados de diamantes, esmeraldas e safiras, sem esquecer o ouro. Todas as vitrinas são de alta segurança e climatizadas, ficamos a saber, e a luz que ilumina o ouro é diferente da que normalmente é utilizada. A montagem complexa e necessária para levar a cabo este museu só foi possível com o envolvimento de uma equipa de especialistas. “Houve muito trabalho de conservação e restauro. Não há nenhuma peça que não tenha passado pela limpeza e, pelo caminho, houve muita coisa descoberta e estudada”, continua José Alberto Ribeiro.
Para o diretor do Museu do Tesouro Real, este “é um bom museu para visitar, maior do que muitos tesouros europeus e, nesse contexto, será uma referência, certamente”, para não falar da qualidade, beleza e raridade dos objetos da coleção. Logo à entrada, no primeiro corredor, faz-se o enquadramento histórico, desde o início da nacionalidade até aos dias de hoje, das primeiras encomendas reais, mas sobretudo a partir do terramoto de 1755 até à atualidade. Conta-se, por exemplo, que, em 1922, a norte-americana Nevada Hayes, viúva do Infante D. Afonso, irmão de D. Carlos, veio a Lisboa reclamar a herança. Os responsáveis da Primeira República, sem saberem o que fazer, permitem que leve do Palácio Nacional da Ajuda carros cheios de peças, entre as quais a Fíbula Bragança, hoje exposta no British Museum.
No primeiro núcleo, está a matéria bruta que dá origem ao tesouro: ouro, incluindo o célebre torrão de 20 quilos, pepitas e diamantes. Seguem-se as moedas, muitas delas vindas dos dotes das princesas – as do dote de Maria Pia, assim que chegaram, foram derretidas para pagar a dívida pública. Também há uma caixa onde se guardavam os diamantes, que serviam igualmente para pagar a dívida pública. Por detrás de cada peça, há sempre uma história para contar; daí os écrans onde se reproduzem imagens e informação complementar às legendas base.
Mais à frente, é tempo de admirar as joias. E que joias. O diadema e colar de estrelas de D. Maria Pia; a laça de esmeraldas que pertenceu à infanta D. Maria Ana, filha de D. José I, um adereço de corpete do século XVIII grande e exuberante que, segundo os especialistas em pedras que o estudaram, tem as esmeraldas mais límpidas que já viram. Também aqui está a tiara de D. Maria II com 1 425 diamantes e cinco safiras, com as cores da monarquia liberal (azul e branco), uma peça cuja compra o Estado português falhou no ano passado e que José Alberto Ribeiro foi buscar à Suíça, uns dias antes da abertura do museu, a título de empréstimo. Há ainda outras peças com a marca de ourives e joalheiros, como o italiano Castellani, que fazia joias de inspiração arqueológica, e Fabergé.
Obras-primas: Quatro peças raras, entre as cerca de 900 expostas, que merecem um olhar mais demorado
Ao longo da visita, passa-se pelo núcleo das Ordens Honoríficas e Insígnias Régias, que o diretor acredita “ter resultado muito bem – embora o assunto seja um bocadinho mais árido para o público menos informado –”, na medida em que estão contextualizadas com informações sobre quando foram oferecidas, por quem, entre outras indicações. É neste núcleo que está em destaque, numa vitrina cilíndrica, o Tosão de Ouro, com 1 700 diamantes, 190 rubis e uma safira, uma das peças mais exuberantes e importantes do Tesouro Real. Mas não deixemos de admirar as condecorações como aquelas oferecidas pela rainha do Havai ou pelo imperador Maximiliano do México – de um tempo em que havia impérios e um reino do Havai.
A coroa real, toda ela feita de ouro do Brasil, por António Gomes da Silva para a aclamação de D. João VI, em 1818, assim como dois mantos e cetros, mostram-se no núcleo dedicado aos objetos rituais da monarquia. Ofertas diplomáticas, as coleções particulares de D. Fernando II e seu filho, D. Luís I, peças das capelas reais e as pratas de aparato – onde estão as 23 salvas de prata que serviam as cerimónias reais, as peças mais antigas da coleção (datam do início do século XVI) – seguem-se na narrativa. O final reserva-nos uma mesa real, posta com a célebre baixela Germain, uma encomenda de D. José I, em 1756, à oficina de François-Thomas Germain, um dos maiores ourives de Paris à época. Falta-lhe o centro de mesa, pertença do Museu do Louvre (que não veio para Lisboa devido aos valores do seguro e transporte). “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo.” A frase de Saramago, inscrita na placa que assinala a construção da ala poente e a consequente conclusão do Palácio Nacional da Ajuda, 226 anos após o início da sua edificação, resume o espírito da visita.
Museu do Tesouro Real > Palácio Nacional da Ajuda > Lg. da Ajuda, Lisboa > seg-dom 10h-19h (1 mai-30 set), 10h-18h (1 out-30 abr) > €10
Um museu em números
12 mil m2 Área total de construção
900 Número de peças expostas
22 mil Pedras preciosas, incluindo 18 mil diamantes
11 Núcleos expositivos, divididos por três pisos
100 toneladas Peso da caixa-forte (40 m de comprimento, 10 m de largura e 10 m de altura)
5 toneladas Peso das duas portas de aço (40 cm de espessura) da caixa–forte
200 toneladas Quantidade de pedra de lioz utilizada na reconstrução de fachadas