A questão é antiga, a de saber qual o peso no desenvolvimento cognitivo das crianças que tem o ambiente que as rodeia. Afinal, é certo que a educação e os estímulos recebidos em tenra idade formatam as personalidades, e é esta dualidade entre reflexão e resistência que é trabalhada no espetáculo. Com Kind (Filho), conclui-se a apresentação nos palcos portugueses – após Vader (Pai) e Moeder (Mãe) – da trilogia familiar do coletivo belga Peeping Tom, encabeçado por Gabriela Carrizo e Franck Chartier. Os quadros remetem para um mundo onírico, uma floresta repleta de sombras e de penhascos ameaçadores, em que o público se deve manter atento aos acontecimentos bizarros que presenciará para assim conseguir mergulhar nas profundezas de uma mente em pleno processo de formatação.
Uma menina em corpo de adulto (a soprano Eurudike de Beul), espécie de Capuchinho Vermelho, conduz a narrativa incoerente por um universo com perigos à espreita, em que as fronteiras entre o Bem e o Mal ainda não foram definidas. A imaginação corre livremente e as cenas traumáticas ou violentas a que a criança assiste tentam encaixar-se no subconsciente. Sob uma imensa lua cheia, o crescimento e a superação tentam abrir caminho neste lugar hostil, habitado por criaturas estranhas. A angústia é atenuada pelo surrealismo e humor que acompanham as cenas, servidas pelo virtuosismo dos seis bailarinos, a oscilarem entre a linguagem da dança e a do teatro. Um prato carregado de desconforto, como é habitual nas produções Peeping Tom, em que, apesar da beleza do cenário, a crueldade e as perversidades abordadas não deixam grande espaço para os contos de fadas associados à infância.
Teatro Aveirense > R. Belém do Pará, Aveiro > 30 jan, dom 21h30 > €10 > Centro Cultural de Belém > Pç. do Império, Lisboa > 2-3 fev, qua-qui 21h > €18 a €30 > Centro Cultural Vila Flor > Av. D. Afonso Henriques, 701, Guimarães > 5 fev, sáb 19h > €10