Em 2015, o filme Grand Budapest Hotel venceu o Oscar de Melhor Direção de Arte, e um dos responsáveis por esta vitória foi Gonçalo Jordão, especialista em Pintura Decorativa que, desde aí, nunca mais parou de pintar cenários para filmes e séries internacionais. Desta vez, o sócio-gerente da empresa After Wall – que fundou com a mulher, Raquel, em Mourão, no Alentejo – , incluiu também a equipa que teve a tarefa de pintar os mundos virtuais no novo filme The Matrix Resurrections e que reúne novamente os protagonistas originais Neo (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie-Anne Moss).
Como é que estas grandes produções cinematográficas encontram um pintor que vive no recôndito Alentejo?
Sempre tive o sonho de trabalhar para cinema na minha área. Consegui entrar neste mundo através de uma pintura decorativa que fiz para uma sala, que chegou às mãos do head painter (pintor de cenários principal) do estúdio de cinema Babelsberg [alemão]. Foi através desse trabalho que me chamaram para fazer parte da equipa, enquanto pintor de cenários, do Grand Budapest Hotel. Depois disso, não parei de trabalhar para cinema: na produção francesa do La Belle et la Bête (2014) do Christophe Gans, para a série Segurança Nacional e também participei no filme do Drácula, A última viagem de Demeter, que deve estrear daqui a um ou dois anos. No estúdio Babelsberg têm em conta a minha formação clássica e contactam-me para fazer trabalhos específicos, quando há um filme em que as coisas são mais preciosas e mais específicas em que tem de ser um tipo de pintura mais detalhada. Pode-se dizer que, desde o Grand Budapest Hotel, já faço parte da lista de contactos daquele estúdio.
No caso de The Matrix Resurrections, em que consistiu a sua participação? O que lhe pediram?
Bem, eu tenho uma cláusula de confidencialidade [risos]. No caso de The Matrix Resurrections a minha participação cingiu-se à imitação de materiais, passou muito pela reprodução detalhada dos metais e das ferrugens, algo mais complexo em comparação, por exemplo, com o que tinha feito no Grand Budapest Hotel. Os exteriores do Matrix foram filmados sobretudo em São Francisco, nos EUA, e nos estúdios Babelsberg centrámos o nosso trabalho naquilo que são os interiores, nos chambers ou headquarters [na realidade Matrix] do Neo (Keanu Reeves) e nos elevadores que se vêm no filme. Também fizemos a reprodução de espaços públicos da Califórnia.
No filme do Wes Anderson, o Grand Budapest Hotel, o seu trabalho baseou-se na reprodução de algumas pinturas do artista alemão Caspar David Friedrich…
Exatamente. Aqui [em Matrix] foi à base de imitar o processo de oxidação do metal ou do desgaste dos materiais. Por vezes pensamos que no cinema utilizam-se coisas muito laboriosas, mas acabamos por utilizar materiais usuais do dia a dia – como a terra, o tijolo partido – foram coisas desse tipo que foi necessário imitar. É preciso ter uma sensibilidade para estas coisas. Sabermos observar como o material se deteora e quais as partes que se desgastam mais ou que ficam mais polidas. Mas ali, no departamento de arte, fazemos todos parte de uma engrenagem muito grande, onde seguimos sempre as indicações da head painter. Como gostei muito do primeiro filme devido àquele impressionante guião, foi um privilégio ter trabalhado neste novo filme com um grupo destes. É incrível trabalhar com a pessoa que criou aquela atmosfera, e também é sempre giro encontrar o Keanu Reeves a fumar numa esquina, ou a Carrie-Anne Moss a passar por nós fardada de Trinity e dizer: “Hello, good afternoon”, e eu fardado de pintor.
Neste tipo de trabalhos costuma ter liberdade criativa, ou há sempre um plano que tem de ser rigidamente seguido?
O resultado final tem de ser aquele, o caminho para chegarmos a esse resultado final pode ter alguma liberdade, mas estamos sempre cingidos ao percurso que o head painter define. Claro que com o tempo acabamos por ganhar uma certa elasticidade, mas os materiais utilizados e o caminho estão sempre predefinidos. Na After Wall trabalhamos com diversas instituições e clientes, já trabalhámos com o Palácio de Belém, com a Assembleia da República. Vou tendo maior ou menor liberdade consoante os trabalhos, mas o cinema é sempre um desafio que me dá imenso prazer.