Em A Primeira Vaca da América, a prodigiosa realizadora independente norte-americana Kelly Reichardt regressa à luxuriante paisagem do estado de Oregon, onde filmou Old Joy (2006), e, ao mesmo tempo, volta a reinventar o género western, como havia feito em O Atalho (2010). A Primeira Vaca da América é, assim, um western de coordenadas trocadas, em que a paisagem desértica do Texas é substituída pela vegetação frondosa do Oregon, bem mais a norte, mas com propósitos semelhantes. Ou seja: estamos perante pioneiros que se deixam levar pela cobiça, ouro e pedras preciosas, procurando, pelo caminho, no original modelo do sonho americano, fazer fortuna e mudar de vida.
É neste contexto que encontramos Cookie, um cozinheiro e pasteleiro, inserido numa pequena companhia de expedição, que faz negócio com peles de castor. É um homem desenquadrado no espaço e no tempo, de temperamento tímido e pacifista, e uma mentalidade sensível e humana que o distingue dos companheiros. Cookie cruza-se com King-Lu, o mais elegante cavaleiro chinês, com o qual acaba por desenvolver uma relação de amizade profunda, uma espécie Brokeback Mountain sem se chegar a vias de facto. E depois há uma vaca, claro, a única no território, cujo leite roubado à socapa permite à dupla fazer e vender os mais deliciosos biscoitos, que valem ouro em terras alimentadas a pão e água.
Partindo do livro de Jonathan Raymond, Reichardt inverte o sentido clássico do western. Deixa a violência como contexto e substrato de emoção e perigo, mas isola as suas personagens na urgência de procurar uma alternativa para a barbárie social circundante. Cookie e King-Lu fazem um jogo perigoso, a vários níveis, mesmo sendo os seus passos ponderados e astutos. Estão a lutar por um futuro alternativo e, talvez simbolicamente, a moldar com as próprias mãos o futuro da América.
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A Primeira Vaca da América > De Kelly Reichardt, com John Magaro, Orion Lee, Toby Jones, Ewen Bremner > 122 minutos