Em 1979, Abel Ferrara estreou The Driller Killer, que se tornaria um clássico série B. Uma mulher seduzia homens para depois os assassinar com um berbequim. Intuitivamente, e avant la lettre, estava lá tudo: a toxicidade masculina e uma vingança contundente, inserida num thriller empolgante. Em Uma Miúda com Potencial, primeiro filme realizado pela atriz Emerald Fennell (que venceu o Oscar para melhor Argumento Original), o esquema é parecido: uma jovem finge-se embriagada, levando homens a tentarem abusar dela, e é então que se revela sóbria, para grande susto dos estafermos.
Tudo isto serve para vingar os abusos infligidos a uma amiga, enquanto estava alcoolizada, que acabaram por, indiretamente, lhe provocar a morte. É assim um filme manifesto, quase de intervenção, que olha para a toxicidade masculina como uma doença transversal à sociedade e ergue uma espécie de braço armado do movimento #MeToo. Há uns anos, seria um filme altamente subversivo e polémico; hoje, parece apenas cumprir de forma audaz uma causa nobre.
O problema maior não é esse. Todo o élan sedutor desta resposta veemente e armadilhada à maldade dos homens funciona bem na primeira parte, mesmo deixando omissa, ou pouco clara, a natureza da própria vingança. Contudo, na parte final, o filme força a surpresa e perde verosimilhança. Melhor seria se arriscasse mais no início e efabulasse menos no fim.
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Uma Miúda com Potencial > De Emerald Fennell, com Carey Mulligan, Bo Burnham, Alison Brie > 113 min