Há quase um subgénero cinematográfico – poder–se-ia intitular carpe diem – que reúne os filmes que nos dizem quão bom é viver, colocando as personagens numa situação-limite em que o tempo que lhes resta é pouco, ou ilustrando uma visão transcendental, normalmente inspirada na teologia cristã. Exemplo clássico é Do Céu Caiu uma Estrela, obra intemporal de Frank Capra, que continua no ranking dos filmes mais vistos na quadra natalícia.
A Felicidade das Pequenas Coisas, do italiano Daniele Luchetti, serve bem o estilo, mas procura ajustar os ingredientes de modo particularmente inusitado e humorista, construindo uma comédia de Natal, a que não falta o cunho moralista próprio da época. De início, até por causa da motoreta, a voz-off de Pif, não obstante o sotaque siciliano, lembra-nos Nanni Moretti, de Querido Diário. Só pode ser uma homenagem ou referência explícita, confirmada mais à frente quando, ao enunciar os cuidados com a saúde, afirma beber um copo de água todas as manhãs (tal como Moretti nesse outro filme). Mas esse universo morettiano prometido desde as primeiras imagens acaba por se desvanecer ao longo do filme, quando nos apercebemos de que toda a abordagem, embora criativa, é relativamente superficial.
Centramo-nos em Paolo, um Don Juan que, apesar de bem casado, não resiste a sucessivas infidelidades – tem um sucesso estrondoso com qualquer mulher com quem se cruze, desde as mães dos colegas dos filhos no infantário às empregadas de café. Depois de morto, os juízes do Céu percebem que se enganaram nas contas e deixam-no viver por mais 90 minutos. Ele aproveita a dádiva para fazer um ato de contrição e passar mais tempo com a mulher e os filhos. Enfim, se a personagem não tivesse alguma graça, o filme não teria graça nenhuma.
A Felicidade das Pequenas Coisas > De Daniele Luchetti, com Pif, Thony, Renato Carpentieri, 93 min