Caminhar sob uma das aranhas gigantes esculpidas por Louise Bourgeois supera o entusiasmo sensorial da grande escala: é um confronto com uma criatura catalisadora de emoções ancestrais. Uma experiência agora reproduzível no parterre do Parque de Serralves, onde paira Maman (1999), forma aracnídea de aço e bronze, erguida em oito patas com dez metros, guardando uma bolsa com ovos de mármore. Uma “ode” à mãe da artista, pragmática tecelã que morreu de sequelas da gripe espanhola quando Louise tinha 20 anos; metáfora poderosa sobre a reparação (espelhada nas teias refeitas na Natureza) e a maior das muitas aranhas por ela criadas desde 1947.
Exposição itinerante, Louise Bourgeois – Deslaçar um Tormento revela a coleção guardada no Museu Glenstone, uma das mais importantes em mãos de privados, desenvolvida pela canadiana Emily Wei Rales e o norte-americano Mitchell Rales
A artista franco-americana assumia-a também como autorretrato e como reflexo das questões dominantes na sua obra: memória, sexo, trauma, solidão, inconsciente, arquitetura como personificação da condição humana, maternidade, os papéis femininos e masculinos, o “jogo dinâmico entre facto e ficção”. Louise Bourgeois, que fez psicanálise e processou os conflitos da infância no trabalho, valorizava os “estados de consciência”: “Aquilo de que estou à procura não é uma imagem. Não é uma ideia. É uma emoção que quero recriar, uma emoção de querer, de dar e de destruir”, dizia.
Esta retrospetiva com 32 obras representa sete décadas de produção, incluindo as últimas obras, antes da artista desaparecer em 2010, e trabalhos seminais, como A Destruição do Pai (1974), considerada a sua primeira instalação – um “cenário de teatro semelhante a uma gruta escura” com peças redondas de latex moldado banhadas em luz vermelha, que explora uma fantasia canibal sobre o pai, dominador e infiel –, ou os vasos de vidro precariamente dispostos num armário de rodas de O Desafio (1994), revelando “uma mulher sem segredos”, a transparência de quem exorcizou tudo na arte. Desenho, escultura, instalação, têxteis e textos, mármore e metal, gesso, borracha e papel, insetos, corpos, celas (“representativas de vários tipos de dor”), roupas suspensas em ganchos, protuberâncias bulbosas, formas orgânicas – em Serralves está uma paisagem avassaladora.
Louise Bourgeois – Deslaçar um Tormento > Museu de Serralves > R. D. João de Castro, 210, Porto > T. 22 615 6500 > até 20 jun, seg-sex 10h-18h, sáb-dom 10h-19h > €12