Em Chungking Express (1994), o primeiro filme que deu visibilidade internacional a Wong Kar-wai, há uma tentativa de filmar o próprio movimento. O filme é montado a uma velocidade alucinante, com movimentos rápidos de câmara, provocadores de stresse e de adrenalina, como se entrássemos num simulador de realidade virtual. Tudo se passa a um ritmo frenético, enquanto uma multidão apressada preenche o ecrã, retrato pungente de Hong Kong e seu quotidiano selvagem.
Em Disponível para Amar, filmado seis anos depois, mas retratando os anos 60, há uma inversão rítmica. De tempos a tempos, o realizador usa o ralenti (ao lado da música de Michael Galasso), como quem quer abrandar o tempo. Na verdade, esse tempo lento, alheio à realidade em volta, é o tempo do amor. E é aí, no tempo fora do tempo, que encontramos a essência poética do filme. Belíssimo exercício seria (de preferência, numa edição mental) isolar e juntar todas as cenas em câmara lenta do filme: ficaríamos com uma curta-metragem sem palavras e uma experiência sensorial profunda, plena de emoções.
Disponível para Amar começa por funcionar como um ensaio sobre a infidelidade. Mrs. Chan e Mr. Chow descobrem que os seus cônjuges têm um caso. Ao lado da angústia, surge a curiosidade de perceber os contornos da traição – como tudo aconteceu, quem deu o primeiro passo… e os seguintes. Para tal, encontram-se, fazem ensaios em que tomam o lugar dos outros, inventando uma réplica da realidade invisível (nunca vemos os cônjuges). Até ao ponto sublime em que os planos se confundem e o espectador, assim como as personagens, tem dificuldade em separar o ensaio da realidade. Já não é um ensaio sobre a infidelidade, mas um tratado sobre o amor.
O ciclo de Wong Kar-wai prossegue nas próximas semanas, sempre com grandes obras em cópias restauradas: Chungking Express (10 dez), Anjos Caídos (17), Felizes Juntos (24) e 2046 (31).
Disponível para Amar > De Wong Kar-wai, com Tony Chiu-Wai Leung, Maggie Cheung, Ping Lam Siu, 98 min > medeiafilmes.com