Alfred Hubert Mendes (1897-1991), nascido em Trindade e Tobago, descendente de presbiterianos portugueses residentes na ilha da Madeira, é um nome importante da literatura caribenha. Foi da sua boca e dos seus livros, em especial a autobiografia, que o seu neto, Sam Mendes, ouviu muitas histórias, incluindo as decorridas na Primeira Guerra Mundial, no qual Alfred esteve ao serviço do Exército inglês, tendo recebido uma medalha pela sua bravura. Foi a partir desses relatos que o realizador imaginou 1917, filme que deve competir com Joker e O Irlandês pelas principais estatuetas dos Oscars.
Com uma estrutura narrativa que se aproxima de O Resgate do Soldado Ryan (Steven Spielberg, 1998) e uma forma de filmar que lembra os modernos jogos de computador, dando a ilusão de que tudo é feito em apenas um plano-sequência, 1917 é mais espetacular do que realista e constrói-se de forma suficientemente empolgante para deixar o espectador preso ao ecrã, cativado pelas peripécias, mais ou menos dolorosas, que o protagonista, o soldado Blake, ultrapassa ao longo das quase duas horas de filme.
Nesse sentido, faz o desenho típico e quase literal duma clássica jornada de um herói, com enorme simplicidade: a personagem tem uma missão e está determinada a cumpri-la a todo o custo, ultrapassando inúmeros obstáculos. Pelo caminho há também uma pequena transformação psicológica da própria personagem, que se converte quase num objetor de consciência. O que leva, inevitavelmente, a um questionamento sobre a natureza da própria guerra, de forma clara, mas nunca escavando tão fundo como obras de referência do género, como Apocalypse Now, (Francis Ford Coppola, 1980), Vem e Vê (Elem Klimov, 1985) ou A Barreira Invisível (Terrence Mallick, 1998).
O facto de toda a intriga se situar na Primeira Guerra Mundial, na Europa, dá ingredientes diferenciados ao filme. Há um olhar sobre as trincheiras, uma espécie de labirinto, como nos havia mostrado Kubrick, em Horizontes de Glória (1957), que transmite a ideia de perigo iminente ao virar de cada esquina. É um perigo com uma noção de proximidade pouco comum nos filmes sobre a Segunda Guerra Mundial. Ou seja, não obstante o poderio aéreo que foi determinante para a resolução do conflito, a Primeira Guerra Mundial foi a última grande guerra de infantaria, travada quase na cara do adversário. Essa ideia é bem transposta para o filme, dando-lhe densidade humana e emocional, colocando o espectador a lutar pela sobrevivência naquele infernal campo de batalha.
1917 > De Sam Mendes, com George MacKay, Dean-Charles Chapman, Mark Strong, Andrew Scott, 119 minutos