François Ozon interrompe a sua deriva de realizador provocatório, retratista de personagens femininas fortes na construção de uma linguagem cinematográfica própria, para apresentar um filme–denúncia ou um filme-causa, alicerçado no escândalo de pedofilia que abalou a arquidiocese de Lyon. Graças a Deus é um Ozon atípico, quase irreconhecível, num estilo relativamente vulgar, mas eficaz naquilo que se propõe transmitir. Até certo ponto, pode encarar-se Graças a Deus como uma versão francesa de O Caso Spotlight (Thomas McCarthy, 2015), na medida em que ambos os filmes partem de acontecimentos reais a que são fiéis. Só que, enquanto O Caso Spotlight se centra na investigação jornalística, e os repórteres ganham a dimensão de verdadeiros heróis da luta pela justiça e pela verdade, aqui o ângulo é o da luta das próprias vítimas: não só a luta exterior, visível, consequente, mas a devastação interior, as sequelas psicológicas.
Ao contrário do que acontece noutros filmes de Ozon, dada a natureza desta história, as personagens femininas caem para um segundo plano. O filme obedece a uma estrutura incomum, com três polos narrativos não intercalados. Cada um torna-se preponderante ao longo dos três atos que desenham a curva narrativa, correspondendo às personagens que desencadearam ou desenvolveram o movimento. O mais interessante é o dedicado a François, o primeiro a levantar o véu da pedofilia em Lyon, sobretudo porque mantém uma certa dicotomia moral entre a fidelidade à Igreja Católica, de que faz parte, e os crimes horrendos que ele e outros sofreram. Graças a Deus é um filme atual e atuante.
Graças a Deus > De François Ozon, com Melvil Poupaud, Denis Ménochet, Swann Arlaud > 137 minutos