Estão ali, à nossa frente. De carne e osso, sem qualquer ecrã a mediar-nos. E é-nos difícil conter a frustração, a vergonha e a dor que sentimos ao ouvir as histórias da relação daquelas pessoas com os pais e os avós, todas elas vítimas da boçalidade que foi o colonialismo. Não conseguimos encarar aquelas pessoas nos olhos, porque nos sentimos perdidos. Queremos pedir-lhes desculpa e não sabemos como. É para contrariar essa incapacidade de um país em fazer mea culpa que a memória desempenha um papel fundamental na História. Bendito o trabalho da companhia Hotel Europa. À semelhança do espetáculo anterior, Amores Pós-Coloniais, em cena em fevereiro, no Teatro Nacional D. Maria II, voltamos a escrever, desta vez, sobre Os Filhos do Colonialismo, em cena na Culturgest: itinerância com este espetáculo, já!
“O que me deixa triste é ver como o 25 de Abril foi capaz de deitar abaixo o fascismo português, mas não foi capaz de deitar abaixo o colonialismo português. Não descolonizou o pensamento”, refere André Amálio, criador da peça. “Foi muito interessante perceber como esta peça estava a ser um veículo de transmissão de memória, apesar de em graus diferentes de pessoas para pessoas: os pais nunca falaram, os filhos nunca perguntaram, os filhos nunca souberam o que perguntar”, explica. “E isto é um espelho do que é a sociedade portuguesa e da sua relação com o colonialismo português: um elefante enorme na nossa sala.”
Paulo brincava em Angola com os meninos nos musseques e de repente viu-se a ser o único menino negro em Santarém. O avô de Celise foi proprietário de escravos e a sua mãe juntou-se ao MPLA, deixou para trás a filha com 7 ou 8 meses e só voltou a vê-la dois anos depois. O pai de Cláudia recusou a ordem do capitão de fuzilar o “turra”, abreviatura de terrorista. A mãe de Patrícia, de ascendência chinesa, nunca falou de Moçambique, mas trouxe muitos álbuns de fotografias. Soraia passou de viver numa casa abastada na Beira para passar a viver em barracas na Portela. A Joana, sempre que diz que o pai é cabo-verdiano, custa-lhe ouvir “não é nada… tu és branca!”
Os Filhos do Colonialismo > Culturgest > R. Arco do Cego, 50, Lisboa > T. 21 790 5155 > 26-28 set, qui-sex 21h, sáb 19h > €12